Nas palavras de Serpa Lopes, a cláusula penal se trata de obrigação acessória a um contrato, pela qual se obriga o devedor a uma prestação determinada, no caso de descumprir o contrato, ou qualquer de suas cláusulas, ou retardar a execução (Curso de direito civil, v. 2, 6ª Ed, p. 149).
Popularmente, a cláusula penal é chamada de multa contratual. Deve-se atentar para o fato de o termo multa ser utilizado para outros institutos e não só para a cláusula penal. Assim, a astreinte é chamada de multa cominatória e tem um caráter coercitivo, qual seja forçar o devedor a fazer o que ele não fez ou deixar de fazer o que ele não poderia fazer. Substitui a coerção física do devedor. A multa do direito administrativo (ex: multa de trânsito) também é chamada de multa, mas não tem relação com o direito contratual.
A cláusula penal tem por finalidade pré-fixação das perdas e danos para o caso de inadimplemento absoluto culposo ou de mora do devedor. Tendo as partes avençado a cláusula penal e pré-liquidado os prejuízos, o credor está liberado do ônus de prová-los em juízo. Assim, na demanda, basta a prova do inadimplemento da obrigação (relativo ou absoluto) para que o credor tenha direito a exigir a multa (CC, art. 416). Trata-se de uma presunção absoluta de prejuízo (iuris et de iure), pois não admite prova em contrário.
Só há incidência de multa se houver culpa do devedor.
Um dos debates mais intensos da doutrina e da jurisprudência diz respeito ao chamado abono de pontualidade. Explica Christiano Cassettari, que muitos condomínios tentaram buscar uma alternativa para resolver o problema do aumento da inadimplência, que a redução do percentual da cláusula penal lhe causou. Uma saída muito utilizada por vários condomínios foi a cláusula de bonificação ou abono de pontualidade, que é uma sanção premial. O abono de pontualidade é um desconto, geralmente de 10% (dez por cento), para o condômino que pagar a taxa até o dia do vencimento. Esse instituto foi criado com intuito de estimular os condôminos a pagarem em dia as despesas mensais do condomínio (Multa Contratual – Teoria e prática da cláusula penal – 1ª edição 2009 – Editora RT)
A questão não se limita aos Condomínios, pois vários prestadores de serviços a incluem em seus contratos. Universidades particulares, por exemplo, escalonam as datas de pagamentos e concedem “descontos” para pagamentos antecipados.
Qual a natureza desses chamados “descontos”? Silvio de Salvo Venosa chama o abono pontualidade de “cláusula penal às avessas”
Concordamos com Venosa e com Cassettari neste tocante. O referido abono cumulado com cláusula penal é ilegal, pois reflete, na verdade, dupla multa e subverte a real data de pagamento da prestação. Um exemplo esclarece a questão.
O contrato prevê que se a mensalidade escolar no importe de R$ 100,00 for paga até o dia 5 do mês, há um desconto de 20%, se paga até o dia 10, o desconto é de 10% e se paga na data do vencimento, dia 15, não há desconto. Entretanto, se houver atraso a multa moratória é de 10%.
Na realidade, o valor da prestação é de R$ 80,00, pois se deve descontar o abono de pontualidade de 20%, que é cláusula penal disfarçada. Então, temos no contrato duas cláusulas penais cumuladas: a primeira que transforma o valor da prestação de R$ 80,00 em R$ 100,00 e a segunda, aplicada após o vencimento, que transforma o valor de R$ 100,00 em R$ 110,00.
E assim decidiu o TJ/SP, no mês de agosto de 2009:
“PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS – COBRANÇA – DESCONTO OU ABATIMENTO POR PONTUALIDADE – CLÁUSULA PENAL – APURAÇÃO DOS VALORES DEVIDOS A TÍTULO DE MENSALIDADES NÃO PAGAS, DEVERÁ SER CONSIDERADO O VALOR LÍQUIDO DA PRESTAÇÃO, DESCONTADO O ABATIMENTO POR PONTUALIDADE – MULTA CONTRATUAL – REDUÇÃO PARA 2% – INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – RECURSO IM PROVIDO”. (Apelação sem revisão nº 987905004, Relator Desembargador Francisco Casconi, 31ª Câmara de Direito Privado, julgamento em 11.08.2009)
Essa interpretação do tema decorre do princípio que veda o enriquecimento sem causa, pois a existência de duas multas (uma declarada e outra disfarçada) faz com que os prejuízos sejam presumidos (de maneira absoluta) de forma dobrada. Ademais, ofende a função social do contrato em sua eficácia interna, pois gera uma obrigação por demais pesada ao devedor.
Seguindo essa linha de raciocínio, o TJ/SP também decidiu em agosto de 2009:
Ação de cobrança decorrente da prestação de serviços educacionais, com pedido contraposto do réu. Parcial procedência do pedido inicial e procedência do pedido contraposto. Apelo do autor acerca do pedido contraposto do réu que implica em inovação não consentida na espécie, impedindo o conhecimento do recurso nesta parte. Abono por pontualidade. Bonificação por pagamento em dia que só pode ser exigida desde que no contrato não exista cláusula prevendo multa moratória. Contrato que estipula multa moratória. (Apelação 992090665693, Relator Desembargador Ruy Coppola, 32ª Câmara de Direito Privado, julgamento em 27.08.2009)
A questão é tormentosa. Invocando a autonomia privada, em sentido contrário, às decisões do TJ/SP temos a decisão do Superior Tribunal de Justiça:
Nas relações locatícias, celebradas com base na Lei 8.245/91 as partes contratantes têm plena liberdade para a estipulação do valor inicial do aluguel. A intervenção do Estado somente se dá em hipóteses bem restritas, como, v.g, na impossibilidade de as partes fixarem o valor do aluguel em moeda estrangeira, vinculá-lo à variação cambial ou ao salário mínimo, na determinação da periodicidade mínima para seu reajuste e na indicação dos índices de reajuste. Hipótese em que a questão relativa à estipulação de cláusula de pontualidade não se encontra elencada no rol de matérias que, excepcionando o princípio da liberdade de estipulação das partes, mereceram especial atenção do legislador, não sendo considerada de ordem pública. (REsp 400.385/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 03/10/2006, DJ 23/10/2006 p. 344)
De um lado a autonomia privada, de outro o princípio que veda o enriquecimento sem causa e a função social do contrato. O que deve prevalecer? Para nós, fazendo uma ponderação de princípios, a função social como limitadora da autonomia privada prevalece (art. 2035 do CC de 2002) e ao abono, na qualidade de cláusula penal disfarçada, deve ser assim considerado para permitir o cálculo de real valor da prestação. Fica recomendada a leitura da recém-lançada obra do Prof. Christiano Cassettari a respeito do tema (Multa Contratual – Teoria e prática da cláusula penal – 1ª edição 2009 – Editora RT).