Desvendando o Direito das Obrigações: o Equivalente – Parte II

Em se tratando de Teoria Geral das Obrigações o Código Civil se utiliza, com frequência, do termo equivalente. A palavra aparece em diversos dispositivos e entre eles os artigos 234, 236, 239, 279, 418 e 420.

Com relação aos primeiros artigos, em outra coluna da Carta Forense, explicamos a noção de equivalente, qual seja, o valor que a coisa tinha no momento em que pereceu (confira-se a redação do artigo 234 do CC).

Entretanto, após instrutiva conversa com o Prof. João Alberto Schültzer Del Nero, e algumas ponderações, penso que o assunto deva ser complementado.

Realmente, dispõe o art. 234 do CC que se a coisa perecer com culpa do devedor este reponde pelo equivalente mais perdas e danos.

Qual a noção de equivalente?

Concluímos em nossa coluna anterior que, em se tratando de um contrato de compra e venda em que o bem vendido perece por culpa do devedor (que é o vendedor, pois ele deve a coisa), o equivalente significa a devolução da quantia recebida a título de preço (acrescida de correção monetária), ou caso o bem tenha se valorizado, o seu novo valor

Ocorre que não é apenas na situação descrita que o artigo 234 terá aplicação. Há uma outra situação, lembrada pelo Prof. Del Nero, em que o significado de equivalente será outro.

Imaginemos um sujeito que faz a seguinte promessa de recompensa (ato unilateral). Aquele que achar meu cão Pastor perdido receberá em recompensa outro cão da mesma raça, de nome Rex, que foi campeão em diversos concursos. Achado o cão, o destinatário da promessa procura o promitente para receber Rex em recompensa, mas Rex pereceu, por culpa de seu dono, que viajou e não o alimentou. Nessa hipótese, aquele merecedor da recompensa terá direito ao equivalente.

Qual a noção de equivalente?

Nessa hipótese, perfeita será a explicação de Tito Fulgêncio para quem que “impossível a entrega da coisa certa, uma vez que se perdeu, em sua entidade real, a consequência da culpa é a entrega da coisa na sua entidade econômica, a sub-rogação no equivalente. Este sub-rogado da prestação devida não pode consistir senão em dinheiro, única matéria que, na linguagem das fontes, tendo uma publica e perpetua aestimatio, é denominador comum de todos os valores”. (Do direito das obrigações, 1958, p.74).

O cão Rex terá um equivalente em dinheiro (entidade econômica) e este valor passa a ser devido com o perecimento culposo de Rex. Caso o cão prometido tenho sofrido valorização entre a promessa e o momento em que passou a ser devido, o equivalente significará o valor mais alto.

Após esta conversa com o Prof. Del Nero, pensamos em uma outra situação em que será perfeita a lição de Tito Fulgêncio. Imaginemos que determinada pessoa peça um carro emprestado a outra (empréstimo gratuito de bem infungível denominado comodato).

O comodatário, em claro descuido, esquece o carro aberto com a chave na ignição e este é furtado. Houve perecimento da coisa com culpa do devedor. Nesta hipótese, por se tratar de obrigação de restituir, tem aplicação o art. 239 do CC:

Art. 239. Se a coisa se perder por culpa do devedor, responderá este pelo equivalente, mais perdas e danos.

Qual a noção de equivalente?

Novamente, aplica-se a lição de Tito Fulgêncio, ou seja, equivalente é a entidade econômica, o valor da coisa. Novamente, se o carro sofreu valorização após a perda, o valor devido será o atual, o mais alto.

A noção de equivalente também é necessária para explicar a redação dos artigos 418 e 420 do Código Civil. Os dispositivos cuidam das arras ou sinal.

Trata-se da importância dada em dinheiro ou em objeto que prova a conclusão do contrato (arras confirmatórias) ou garantem o direito de arrependimento das partes (arras penitenciais). Em regra, o sinal confirma a celebração do contrato e, portanto, não podem os contratantes exercerem o direito de arrependimento. O sinal indica que o contrato foi celebrado e deverá ser cumprido (pacta sunt servanda). Para que as arras garantam direito de arrependimento, deve haver expressa previsão no contrato.

Quanto às arras confirmatórias, dispõe o Código Civil:

Art. 418. Se a parte que deu as arras não executar o contrato, poderá a outra tê-lo por desfeito, retendo-as; se a inexecução for de quem recebeu as arras, poderá quem as deu haver o contrato por desfeito, e exigir sua devolução mais o equivalente, com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, juros e honorários de advogado.

O revogado Código Civil falava em devolução “em dobro” e o atual fala em equivalente. Qual seria a razão da mudança?

Qual a noção de equivalente?

Bem, se as arras forem dadas em dinheiro e a parte que as recebeu não executar o contrato, o valor pode ser multiplicado por dois, ou seja, dobrado, conforme mencionava o Código Civil de 1916. Entretanto, se o sinal for dado em objeto, impossível se falar em dobro, pois objeto não tem dobro. Objeto tem um equivalente em dinheiro, ou nas apalavras de Tito Fulgêncio, uma expressão econômica. Por este motivo, se o contratante recebeu em arras um relógio de ouro e deixa de cumprir o contrato, devolverá o relógio recebido mais seu valor em dinheiro (equivalente).

Frise-se que ainda que o bem fosse fungível, ou seja, substituível por outro, isso não significaria que um objeto seria o “dobro” de outro. Portanto, ainda que seja dada em sinal uma caneta ordinária, comum, igual a todas as outras, a caneta seria devolvida e mais seu valor em dinheiro (equivalente).

Da mesma forma nas arras penitenciais. Nesse sentido:

“Art. 420. Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para qualquer das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória. Neste caso, quem as deu perdê-las-á em benefício da outra parte; e quem as recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente. Em ambos os casos não haverá direito a indenização suplementar”.

Podem indagar os leitores: então o efeito das arras penitencias e confirmatórias é o mesmo? Resposta não, pois em se tratando de arras confirmatórias a parte prejudicada pode exigir a execução forçada do contrato e, ainda as perdas e danos suplementares nos termos do art. 418 do CC. Já em se tratando de arras penitenciais, inexistirá qualquer outro direito. Apenas poderá o contratante receber as arras e seu equivalente (art. 420 do CC).

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