Casamento avuncular homoafetivo ? casamentos entre tios e sobrinhos

Casamento avuncular é o nome que se dá ao casamento entre tios e sobrinhos, ou seja, entre parentes colaterais em terceiro grau.

O Decreto 181 de 24 de janeiro de 1890 que regulamentou o casamento civil no Brasil,trazia o impedimento para o casamento entre irmãos apenas, ou seja, limitava o impedimento ao parentesco de segundo grau.

Art. 7º São prohibidos de casar-se:

§ 1º Os ascendentes com os descendentes, por parentesco legitimo, civil ou natural ou por affinidade, e os parentes collateraes, paternos ou maternos, dentro do segundo gráo civil.

O Código Civil de 1916 expressamente proibia este casamento, pois o artigo 183, ao enumerar os impedimentos matrimoniais chamados absolutamente dirimentes previa:

“IV- os irmãos, legítimos ou ilegítimos, germanos ou não, e os colaterais, legítimos ou ilegítimos, até o terceiro grau inclusive.”

Por se tratar de impedimento absolutamente dirimente, o casamento entre tios e sobrinhos era considerado nulo.

Qual a razão de ser deste dispositivo? Por que o Código Civil rompeu com a disposição anterior?

Clóvis Bevilaqua explica que a Igreja Católica tolera os casamentos avunculares (Codex, art. 1076), porém a pureza dos costumes e razões de ordem fisiológica aconselham maior rigor. Prossegue Beviláqua dizendo que a consanguinidade pode não ser sempre doentia nos conúbios; porém como ensina Lacassagne

“nos meios urbanos sempre viciados, ela dará maus frutos, e o direito de intervir para evitar a degeneração da raça. Além disso, a doutrina do Código apoia-se na ética. A atmosfera moral da família conserva-se mais límpida, se entre tios e sobrinhos não houver a possibilidade de enlaces lícitos” (Comentários, v. 1, p. 17).

Interessante notar que a opção do Código Civil de 1916 foi puramente moral, pois em termos de proteção à prole e eventuais problemas que poderia ter, segundo Bevilaqua, a questão é duvidosa e polêmica.

Em 1941 editou-se o Decreto-lei 3200 que versou sobre o tema. Note-se que o Decreto-lei em questão trata da questão exclusivamente sob a ótica médica. Há, na época, uma opção clara por se permitir ou não o casamento avuncular à luz dos riscos à prole ou aos cônjuges. Assim temos o seguinte:

“Art. 1º O casamento de colaterais, legítimos ou ilegítimos do terceiro grau, é permitido nos termos do presente decreto-lei.

Art. 2º Os colaterais do terceiro grau, que pretendam casar-se, ou seus representantes legais, se forem menores, requererão ao juiz competente para a habilitação que nomeie dois médicos de reconhecida capacidade, isentos de suspensão, para examiná-los e atestar-lhes a sanidade, afirmando não haver inconveniente, sob o ponto de vista da sanidade, afirmando não haver inconveniente, sob o ponto de vista da saúde de qualquer deles e da prole, na realização do matrimônio. (Vide Lei nº 5.891, de 1973)

§ 1º Se os dois médicos divergirem quanto a conveniência do matrimônio, poderão os nubentes, conjuntamente, requerer ao juiz que nomeie terceiro, como desempatador.

§ 2º Sempre que, a critério do juiz, não for possível a nomeação de dois médicos idôneos, poderá ele incumbir do exame um só médico, cujo parecer será conclusivo.

§ 3º O exame médico será feito extrajudicialmente, sem qualquer formalidade, mediante simples apresentação do requerimento despachado pelo juiz.

§ 4º Poderá o exame médico concluir não apenas pela declaração da possibilidade ou da irrestrita inconveniência do casamento, mas ainda pelo reconhecimento de sua viabilidade em época ulterior, uma vez feito, por um dos nubentes ou por ambos, o necessário tratamento de saúde. Nesta última hipótese, provando a realização do tratamento, poderão os interessados pedir ao juiz que determine novo exame médico, na forma do presente artigo”.

Apesar de longa, a transcrição do texto da lei é elucidativa. Toda a sistemática se afasta de questões morais para concentrar o tema sob a ótica de problemas de saúde aos nubentes (fala-se em sanidade ou saúde) ou da prole (risco de transmissão de doenças ou deformidades).

Já o Código Civil de 2002, reproduziu o antigo Código Civil ao proibir o casamento avuncular. Assim, dispõe o art. 1.521 que não podem se casar:

IV – os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive

A redação legal não deixa dúvidas e o advérbio inclusive, do latim inclusum, significa o que inclui. Logo, gramaticalmente a proibição ao casamento avuncular passa a ocorrer na vigência do atual Código Civil.

Contudo, a doutrina propõe que o Código Civil não revogou o Decreto-lei 3200/41 que sobrevive, na qualidade de lei especial, já que não há expressa contrariedade entre a lei anterior especial (decreto-lei 3200/41) e a lei geral posterior (Código Civil de 2002).

Nesse sentido, temos Regina Beatriz Tavares da Silva (ao atualizar Washington de Barros Monteiro, v. 2, 39ª ed, p. 85), Maria Helena Diniz (v. 5, 26ª ed, p. 86), Carlos Roberto Gonçalves (v. 6, 7ª. Ed, p. 72), Silvio Venosa (v. 6, 12ª ed, p. 73), Luiz Edson Fachin e Carlos Pianovski Ruzyk (Código Civil comentado, v. 15, p. 64), Maria Berenice Dias ( Manual de Direito das famílias, 4ª ed, p.148), Carlos Alberto e Adriana Dabus Maluf (Curso de Direito de Família, p. 134) e Francisco José Cahali (ao atualizar Silvio Rodrigues, v. 6, p. 43):

“Considerando tratar-se a previsão de casamento entre colaterais de terceiro grau de regra específica, inserida em legislação própria de proteção à família, não terá sido revogada por codificação geral posterior”

Diante da unanimidade doutrinária, foi aprovado o Enunciado 98 do CJF:

“98 – O inc. IV do art. 1.521 do novo Código Civil deve ser interpretado à luz do Decreto-Lei n. 3.200/41 no que se refere à possibilidade de casamento entre colaterais de 3º grau.”

Atualmente a questão toma novos contornos com a possibilidade de casamento homoafetivo expressamente admitido pela Resolução 175 do CNJ. Aliás, o Estado de São Paulo já admitia esta modalidade de casamento anteriormente à Resolução do CNJ (Provimentos CGJ 41/12 e 06/13 que alteram o provimento 58 de 1989 e cujo artigo 88 passa a ser o seguinte: “Aplicar-se-ão ao casamento ou a conversão de união estável em casamento de pessoas do mesmo sexo as normas disciplinadas nesta Seção”).

Resta então uma indagação: na hipótese de casamento avuncular entre pessoas do mesmo sexo, o Decreto-lei 3200 de 1941 tem aplicação?

A resposta é negativa, pois os casais de pessoas do mesmo sexo terão filhos por adoção (hipótese em que o filho não terá material genético de nenhum de seus pais ou suas mães) ou utilizando-se as técnicas de reprodução humana assistida. Nesta hipótese, o material genético será de apenas um deles (um dos cônjuges doa esperma ou óvulo e recebem o outro gameta de um terceiro) ou de nenhum dos dois (recebem em doação óvulo e esperma).

Sendo impossível que o casamento gere problemas à prole, o casamento avuncular homoafetivo pode ser admitido sem a necessidade de qualquer autorização judicial ou exame médico.

 

Para você citar:

SIMÃO, José Fernando. Casamento avuncular homoafetivo – casamentos entre tios e sobrinhos. Jornal Carta Forense, São Paulo, , v. 126, p. B8 – B8, 01 nov. 2013.

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