O Direito Civil é o ramo do direito privado que cuida das relações entre particulares que não estejam disciplinadas por leis especiais como o Código de Defesa do Consumidor ou a Consolidação das Leis do Trabalho.
Direito Civil é um círculo ulterior contido no âmbito do Direito Privado, mas que com ele não se confunde. O Direito Civil é o direito privado comum. É o direito do cidadão. Civitas, em latim, que etimologicamente é a origem de “cidade” e também do adjetivo “civil”, dá a exata noção do que trata esse ramo do direito: da vida da pessoa comum.
Nas palavras de Miguel Reale, o Direito Civil destaca-se como direito fundamental ou “direito comum” a todos os homens, no sentido de disciplinar o modo de ser e de agir das pessoas, abstraindo sua condição social, muito embora exerçam funções ou atividades diferenciadas. Afirma, ainda, que o Código Civil é a constituição do homem comum, isto é, do que há de comum entre todos os homens. A lei civil não considera os seres humanos na medida em que estes se diversificam por seus títulos de cultura ou por sua categoria social, mas enquanto pessoas garantidamente situadas, com direitos e deveres, na sua qualidade de esposo ou esposa, pai ou filho, credor ou devedor, alienante ou adquirente, proprietário ou possuidor, condômino ou vizinho, herdeiro ou testador.
Essa noção de permanência do Direito Civil em contraposição à mutabilidade constitucional revela-se evidente se imaginarmos que o Brasil, em sua História, teve apenas dois Códigos Civis e oito Constituições. Em suma, o Direito Civil permanece depositário das regras que não são tratadas pelos demais ramos do direito privado. O Direito do Trabalho, antes da criação da Consolidação das Leis do Trabalho, era disciplinado pelo Código Civil, já que este, como lei, geral cuida, em regra, das relações privadas.
O tempo para o Direito Civil pode ser observado de múltiplas maneiras. A própria estrutura e divisão sistemática do Código Civil indica a presença do elemento temporal. O Livro I da Parte Geral (Das pessoas), em seu Título I (Pessoas Naturais) e Capítulo 1 (Da Personalidade e da capacidade), logo trata do nascimento:
“Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.
Da leitura do artigo em questão, fica uma dúvida: quando se inicia a personalidade jurídica do ser humano?
O tempo para pessoa humana se inicia antes mesmo do nascimento. Neste sentido, Silmara Juny de Abreu Chinellato afirma que a corrente verdadeiramente concepcionista sustenta que a personalidade começa com a concepção, não com o nascimento com vida, considerando que muitos dos direitos e status do nascituro não dependem do nascimento com vida, tais como os direitos da personalidade e o direito de ser adotado, atuando o nascimento sem vida como a morte para os já nascidos.
Esta é a corrente adequada para fins de atribuição da personalidade ao nascitturo e à qual este autor se filia, realizando-se a interpretação do texto legal de acordo com os valores do atual momento histórico, conforme lição de Pietro Perlingieri. Ainda que, em se tratando de direitos patrimoniais, o nascituro os receba na forma de propriedade resolúvel, os demais direitos surgem desde a concepção, e há forte tendência dos tribunais em se adotar tal corrente[1]. Hoje, seria inconcebível imaginar que o ultrassom de certa atriz famosa do qual conste a imagem do nascituro possa ser livremente veiculado pela imprensa, sem que isto signifique uma afronta ao direito de imagem do nascituro.
O tempo para a pessoa jurídica, em contrapartida, começa de maneira diferente. O sistema brasileiro exige, para a formação de uma pessoa jurídica, três elementos: vontade, instrumento e registro perante o órgão competente desse instrumento. A vontade pode ser exclusiva de uma pessoa (por exemplo, a fundação cuja criação é determinada por testamento) ou de várias (como se verifica nas associações em geral).
Além da vontade, deve haver um instrumento para a criação da pessoa jurídica, que pode ser particular (como se verifica no contrato social que cria uma sociedade limitada) ou público (exigido para criação de fundação por ato entre vivos sob pena de nulidade).
Por fim, é necessário o seu registro, conforme prescreve o art. 45 do Código Civil. Depreende-se do texto legal que a existência da pessoa jurídica se dá com o registro. É a partir deste que se dá o nascimento e o início do tempo para a pessoa jurídica.
Após o nascimento, o tempo continua a atuar de maneira implacável sobre a pessoa natural. Fato de enorme relevância para sua vida civil é o alcance da maioridade.
Importante ressaltar que a idade em que a pessoa natural muda de estado, passando de incapaz a capaz, varia de acordo com a época e o país. Não há unanimidade nem fundamento lógico para a escolha do tempo necessário à concessão da maioridade.
Na vigência do revogado Código Civil, a idade prevista em lei era de 21 anos (arts. 6, inc. I, e 9º do CC/16), no que seguia as Ordenações Filipinas (cf. art. 8º da Consolidação das Leis Civis. Contudo, o projeto Beviláqua pretendia reduzir tal idade para 18 anos (cf. art. 9º).
Ironicamente, a vontade de Beviláqua só prevaleceu no Brasil quando da revogação de seu Código Civil. Atualmente, é necessário que se esperem dezoito anos para que a pessoa natural atinja a maioridade civil. Antes disto, a pessoa será considerada menor de idade.
A idade em que se adquire a capacidade plena ou relativa varia de acordo com o sistema. José Carlos Brandão Proença indica que, na Grécia, a imputabilidade se verifica a partir dos 10 anos; na Alemanha, a partir dos 14 anos (entre os 14 e os 16, apesar de imputável, os pais respondem com a possibilidade de afastarem sua responsabilidade); e, nos Estados Unidos, são três as faixas etárias: até os 6 anos, há uma presunção absoluta de inimputabilidade; dos 7 aos 14 anos, a presunção de inimputabilidade é relativa e, dos 15 aos 21 anos, os jovens são sujeitos à imputação subjetiva.
[1]. “I – Nos termos da orientação da Turma, o direito à indenização por dano moral não desaparece com o decurso de tempo (desde que não transcorrido o lapso prescricional), mas é fato a ser considerado na fixação do quantum. II – O nascituro também tem direito aos danos morais pela morte do pai, mas a circunstância de não tê-lo conhecido em vida tem influência na fixação do quantum” (REsp 399.028/SP, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª Turma, julgado em 26.02.2002, DJ 15.04.2002, p. 232).
Para você citar:
SIMÃO, José Fernando. Tempo e Direito Civil I – nascimento e incapacidade. Jornal Carta Forense, São Paulo, , v. 125, p. B14 – B14, 01 out. 2013.