Poligamia, casamento homoafetivo, escritura pública e dano social: uma reflexão necessária ? Parte 4

Após longa análise nas últimas edições da Carta Forense a respeito da poligamia, do casamento homoafetivo e da escritura pública lavrada em Tupã podemos concluir o seguinte:

–   na tradição européia antiga e medieval não se fala em poligamia como instituto reconhecido pelos diversos sistemas jurídicos europeus. Ao contrário, por mais de 500 anos, para o Direito brasileiro a pena imputada ao bígamo era a morte;

–   no processo de trocas culturais entre o europeu colonizador e o indígena colonizado, a poligamia de certas comunidades indígenas não foi adotada pela sociedade brasileira que se formava nos Séculos XV e XVI. O processo de assimilação cultural rechaçou o modelo poligâmico de família. Houve uma opção histórica e social pela monogamia;

–   o Brasil teve de oportunidade de adotar a poligamia em razão das trocas culturais com os escravos vindos da África, mas não o fez;

– O Código Civil e a Constituição Federal brasileira não exigem dualidade de sexo como elemento de existência do casamento. Se muda a realidade social, mudam também os elementos de existência do casamento sendo possível a existência de casamento de pessoas do mesmo sexo;

–   a poligamia escriturada em Tupã não segue requisito de validade do negócio jurídico. Havendo causa de proibição legal, seja ela culminada de sanção penal ou civil, a afronta à norma cogente acarreta nulidade absoluta da escritura poligâmica tupanense;

–   o próprio Supremo Tribunal Federal já decidiu pela base monogâmica da família (RE 397.762-8/BA, j. 03/06/2008).

Para finalizar essas reflexões, tem que se avaliar os reflexos da escritura pública no meio notarial e registral

De início, deve-se frisar a importância que os Tabeliães e Registradores têm no sistema jurídico brasileiro.

Não pretendo aqui apenas reafirmar o óbvio: que o serviço notarial e registral são imprescindíveis para a segurança jurídica, e que há enormes vantagens em se retirar do Poder Judiciário questões relevantes e que são exemplarmente desenvolvidas pelos Cartórios (vide a competência decorrente da Lei 11.441/07).

Pretendo lembrar a tradição que tem os Tabelionatos nas pequenas cidades brasileiras de verdadeira orientação jurídica dos cidadãos. O padre é o conselheiro espiritual e o Tabelião o conselheiro jurídico. É frase corrente no Brasil, quando se quer atestar a seriedade de um ato, que “faremos a declaração em Cartório”.

A seriedade das atividades notariais e registrais vai além do texto da Lei. 6.015/73 ou dos princípios do direito privado. Ela decorre dos séculos de bons serviços prestados por esses profissionais cuja credibilidade supera, em muito, outros órgão e poderes brasileiros.

Assim, na mentalidade brasileira, se quero realizar algo sério, procuro o aconselhamento de um tabelião para, então, obter um documento do Cartório.

É essa seriedade, são os anos de construção de credibilidade, que a escritura pública de Tupã pretende aniquilar, com a surpreendente declaração da tabeliã: “eu fui averiguar se existia algum impedimento legal e verifiquei que não havia”. Assim vejamos a questão sob a ótica do Direito e da sociedade.

Conforme já dito, não seria necessário profundo estudo para se perceber a nulidade absoluta do instrumento lavrado.

A escritura, se cuidasse apenas de sociedade de fato entre três pessoas, sem qualquer repercussão para o direito de família, mas apenas com aspectos obrigacionais, nenhum problema jurídico teria.

Então fica uma pergunta a ser respondida: qual a consequência prática de se lavrar uma escritura evidentemente nula?

Notemos o que diz a tabeliã que lavrou a escritura em questão para podermos responder o questionamento:

“Se essa família tiver um filho, como funcionaria o registro? Essas questões terão que ser decididas pela Justiça. Assim também foi com os casais homoafetivos, que tiveram que brigar muito para que dois homens ou duas mulheres conseguissem colocar seus nomes numa certidão de nascimento.” (http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias)

Note-se: há um claro dano aos filhos da poligamia que sequer terão direito à origem genética sem se submeterem ao exame de DNA.

Há um claro dano aos supostos “conviventes” que acreditam que têm direitos e não os terão, em razão da nulidade absoluta da escritura pública.

Há, por fim, um dano aos Tabeliães do Brasil cuja seriedade é posta em xeque de maneira evidente, quando a imprensa passa a noticiar que é possível casamento poligâmico no Brasil.

Em suma, seguindo as lições de Antonio Junqueira de Azevedo, há dano social quando há rebaixamento imediato de nível da população, há uma redução da qualidade coletiva de vida.

A escritura pública de Tupã é motivo de perda da confiança no sistema notarial brasileiro. É motivo de descrença da população nos Tabelionatos de Nota do país.

Assim todo e qualquer tabelião está legitimado para demandar indenização face à pessoa física da tabeliã que causou o dano social e dele faz publicidade.

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