Limites do Humor – a reflexão de Tom Alexandre Brandão: politicamente correto e liberdade de expressão

Demorei para aderir ao facebook. Só o fiz por conta de um primo ter criado com meus dados um perfil para mim. A experiência de conhecer o que pensam as pessoas me fascinou desde logo.

É impressionante como o convívio virtual acaba por permitir que se efetivamente conheça uma pessoa com a qual se convive no dia-a-dia, bem como o que pensam pessoas que te conhecem, mas que você não conhece e que o facebook chama de amigos.

O mundo atual de solidão real e muita companhia virtual, em que as pessoas muito se comunicam, mas pouco conversam, em que muito sem faz, mas nada se aprofunda é um mundo pautado pelo politicamente correto e pelos “engajados virtuais”.

É um mundo em que nada pode ser dito, pois alguém se sentirá ofendido, em que há uma constante luta das “ditas minorias” pelos seus direitos, mas que efetivamente se transforma algumas vezes em ataques de ódio e execração pública à determinada pessoa.

Os “ativistas” virtuais são corajosos para achincalhar e destruir nomes e reputações, pois afinal sua causa é justa. Aliás, são os Cruzados do Século XXI, pois em nome de sua fé, qualquer que seja ela, matam os infiéis. São democráticos ao extremo, desde que se diga o que eles querem ouvir. São extremamente abertos ao diálogo, para te convencer que você está errado. Não respeitam autoridade, só a deles próprios que como os Cruzados, lutam a boa e justa luta.

Nesse mundo em que a “minoria” precisa ser ouvida, adotou-se uma estratégia interessante e contraditória. Alguns grupos fechados são criados no facebook e lá é território livre para se agredir pessoas, expulsar outras que não pensam como os Cruzados do Século XXI, para, inclusive, praticarem crimes sob o manto do sigilo que o grupo fechado gera. Uma pequena máfia virtual, cosa nostra.

É neste mundo triste que o sujeito chamado Luiz Augusto resolve processar uma marca de presunto pelo uso de seu nome de forma jocosa. E o CONAR apreciará se a publicidade é ofensiva ou não às pessoas de nome Luiz Augusto[1]. Em um país sério, o CONAR sequer teria recebido a reclamação. Mas em tempos de “politicamente correto”, vamos analisar a ofensa de chamar o presunto de Luiz Augusto. Os Cruzados virtuais se regozijam![2]

Nesse clima de totalitarismo do “politicamente correto”, em que a patrulha ideológica virtual destrói tudo e todos que não concordam com seu pensamento em pseudo-defesa das minorias, surge uma luz no fim do túnel. É a tese de Doutoramento de Tom Alexandre Brandão.

A tese denominada “Rir e fazer rir: uma abordagem jurídica dos limites do humor” defendida na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo sob a orientação da Prof. Teresa Ancona Lopez[3], é um alento, pois demonstra como há pesquisadores sérios que pensam sobre os temas sem a pressão dos Cruzados das Minorias, dos defensores do mimimi (discurso pautado por choramingos sobre a injustiça do mundo).

Tom Brandão defende de forma clara e com sólido arcabouço jurídico que o humor na forma de piada não é sexista, racista ou homofóbico.

O humor na forma de piada não reforça os preconceitos, meus amigos. As piadas, ainda que de mau gosto, nas palavras de Tom Brandão, não trazem “qualquer mensagem séria que delas possa ser extraída: são apenas piadas destinadas, em princípio, à diversão do ouvinte e do humorista”.

Sua conclusão é a seguinte: “seria impossível do ponto de vista científico – e ridículo na prática – procurar estabelecer uma hierarquização de valores no sentido de determinar o que pode ou o que não pode ser objeto de uma manifestação humorística. O resultado seria uma absurda e inócua restrição à atividade humorística, proibindo-se piadas com loiras (sexismo), portugueses (xenofobia), negros (racismo), judeus (intolerância religiosa, idosos, deficientes e, quiçá, até papagaios”.[4]

Tom Brandão afirma exatamente o que afirmei quando perguntado sobre a questão do “humorista” Rafinha Bastos e a piada feita como a cantora Vanessa Camargo no programa CQC[5]: a piada foi de mau gosto e apenas isso. Contudo, bom e mau gosto não são critérios para aferição de licitude da conduta.

Errou o TJ/SP em condenar o apresentador a pagar a quantia de R$ 150.000,00 a título de danos morais pela piada de mau gosto. Simples assim. E o absurdo da situação é que o assunto teve desdobramento na esfera criminal[6].

O autor conclui: “caso alguém tenha achado uma mínima graça de algumas piadas transcritas, pode tranquilizar-se: não é, necessariamente, um sexista, um homofóbico, um racista ou um antissemita. Essa constatação, que pode parecer banal, muitas vezes não é assimilada de maneira tranquila no ambiente jurídico”.[7]

Contudo, Tom Brandão é enfático ao afirmar que se a atividade do humorista é lícita e pode, em um stand up comedy, fazer piadas com qualquer tema (inclusive negros, mulheres, judeus, loiras e deficientes físicos), o ilícito consiste em fazer a piada com “certa pessoa”, ou seja, com direcionamento que humilha o destinatário específico.

A tese merece a leitura. Não me preocupei aqui em dar os fundamentos teóricos utilizados pelo autor para suas conclusões. A tese tem fundamentos de sobra.

As presentes linhas servem para um elogio: é no espaço democrático da Academia (que está sob ataque constante dos Cruzados virtuais) o lugar em que as pessoas devem ousar, pois é lá que se constroem verdadeiramente teses!

Na Faculdade de Direito, devemos trabalhar sem medo das armas dos covardes Cruzados virtuais, sem medo do mimimi, sem medo de fazer ciência.


[1] http://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/2016/08/conar-abre-processo-para-julgar-luis-augusto-em-propaganda-da-sadia.html

[2] São eles que acusam Monteiro Lobato de racista, por exemplo. Acusam por não compreenderem a obra. Isso decorre de sua própria superficialidade.

[3] A Professora Teresa foi minha orientadora de mestrado (1997-2002) e Doutorado (2004-2007).

[4] Página 179 da tese.

[5] Disse Rafinha no ar: “eu comeria ela e o bebê”

[6] “A pena máxima abstratamente cominada para o crime do art. 140, caput, do Código Penal, é de 6 meses de detenção. Para esse quantum, a prescrição ocorre em 3 anos, conforme previsão do art. 109, VI, do mesmo Estatuto. Tal lapso transcorreu, sem nenhum marco interruptivo, desde a data do fato, ocorrido em 19/9/2011. Portanto, está, extinta, pela prescrição, a pretensão punitiva estatal. Ante o exposto, de ofício, com fundamento no art. 61 do Código de Processo Penal, declaro extinta a punibilidade do recorrido, pela prescrição da pretensão punitiva estatal, nos termos do art. 107, IV c/c o art. 109, VI, ficando prejudicado o recurso especial (art. 34, XI, do RISTJ)”. 15.06.2016, Resp. Nº 1.413.849 – SP (2013/0355165-3).

[7] Página 181 da tese.

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