O informativo 492 do STJ do período 27 de fevereiro a 9 de março de 2012 traz dois julgados da 3ª Turma do STJ a respeito de dano moral e sua quantificação.
No primeiro julgado, estava em discussão o dano moral causado ao ex-presidente da República Fernando Collor de Mello em razão de matéria “publicada em revista de propriedade da última. Segundo o recorrente, a reportagem agrediu-o com uma série de calúnias, injúrias e difamações. O juízo a quo julgou improcedente o pedido. O tribunal de origem reformou a sentença, fixando a indenização em R$ 60 mil. O recorrente interpôs recurso especial alegando, em síntese, que o valor da indenização foi arbitrado com excessiva parcimônia, violando o art. 944 do CC, não tendo sido levada em consideração a qualificação das partes envolvidas, a repercussão do dano causado e o lucro auferido pela recorrida com a publicação da reportagem injuriosa. A Turma, por maioria, deu provimento ao recurso por entender que a lei não fixa valores ou critérios para a quantificação do valor do dano moral” (REsp 1.120.971-RJ. Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 28/2/2012).
Segundo o informativo, “não se pode deixar de atentar aos fundamentos da qualidade da ofensa pessoal considerados pela douta maioria no julgamento, salientando que o recorrente, absolvido, mesmo que por motivos formais, da acusação da prática do crime de corrupção e ainda que sancionado com o julgamento político do impeachment, veio a cumprir o período legal de exclusão da atividade política e, posteriormente, eleito senador da República, chancelado pelo respeitável fato da vontade popular.”
Note-se que o STJ entendeu que realmente R$ 60.000 era valor inferior ao dano sofrido pelo ex-presidente. Fernando Collor de Mello, ator de um dos períodos mais sombrios que o Brasil viveu quando do fim da ditadura militar foi defenestrado do máximo cargo eletivo do país, julgado pelo povo e pelos deputados, e condenado pela História por sua conduta reprovável.
A absolvição mencionada pelo julgamento se deu “por questões formais”. Para aqueles que não viveram de perto os acontecimentos ocorridos no início da década de 1990, recomenda-se pesquisa na internet para compreensão dos motivos pelos quais Fernando Collor de Mello não foi condenado, apesar do mar de provas que permitiriam tal deslinde.
Do presidente nefasto, o povo se livrou não apenas por meio do processo de impeachment, mas também por forte pressão popular. Naquela década, enquanto acadêmico de Direito do Largo de São Francisco, participei das diversas manifestações “Fora Collor” e do movimento denominado “Caras Pintadas”.
Tenho sérias dúvidas se o senhor Fernando Collor tem honra, no sentido jurídico da palavra, para ser vítima de dano moral. Ainda que honra tivesse, tenho sérias dúvidas se a imprensa pode ser condenada por dizer a verdade! Agora, dúvida não tenho que o STJ fixou indenização TOTALMENTE EXAGERADA em favor de um dos piores personagens da História recente deste país.
O Tribunal concedeu a importância de R$ 500.000,00 para a “vítima”!
Verdade seja dita, houve divergência na fixação deste montante porque havia magistrados que assim não pensavam.
O fundamento do decisum: a velha tese dos punitive dammages. Segundo o informativo, “não importa quem seja o ofendido, o sistema jurídico reprova sejam-lhe dirigidos qualificativos pessoais ofensivos à honra e à dignidade. A linguagem oferece larga margem de variantes para externar a crítica sem o uso de palavras e expressões ofensivas. O desestímulo ao escrito injurioso em grande e respeitado veículo de comunicação autoriza a fixação da indenização mais elevada, à moda dopunitive dammage do direito anglo-americano, revivendo lembranças de suas consequências para a generalidade da comunicação de que o respeito à dignidade pessoal se impõe a todos”.
É de se questionar de uma vez por todas o porquê da aplicação deste instituto no Direito Brasileiro. A tradução de termo para o português já gera estranheza. Danos punitivos?
Se estamos diante de um dano-prejuízo, na linguagem de Antonio Junqueira de Azevedo, a indenização será do tamanho da extensão do dano, nos termos do art. 944 do CC. Se o valor da indenização for usado para punir (o chamado valor de desestímulo) temos algumas complicações.
Primeiro, etimologicamente indenizar significa tornar indene, sendo o prefixo “in” revelador da qualidade negativa, ou seja, indene significa “sem dano”. O termo damnus vem do verbo latino demere que significa apoucar, diminuir. A indenização não pode ser fonte de lucro para a vítima porque esta tem a única função, para o direito brasileiro, de recolocar a vítima no estado anterior ao dano.
Segundo, ainda que a “indenização punitiva” (termo tão teratológico quanto separação obrigatória convencional utilizado pela ministra Nancy Andrighi no Resp. 992.749/MS) viável fosse, jamais, repito, jamais o valor recebido para punir ao ofensor poderia ser destinado à vítima. A titularidade poderia ser de uma entidade (existente ou a ser criada) que combatesse a prática do agente causador do dano. Um fundo talvez.
Agora, para concluir estas reflexões, lembro aos leitores que poucas linhas separavam a decisão em comento de uma outra em que um cidadão qualquer, que certamente não é tão famoso e prestigiado quanto o honradíssimo Presidente Fernando Collor de Mello (honradíssimo porque, segundo o STJ, sua honra ofendida vale R$ 500.000,00), buscou determinado hospital para fazer um exame de HIV. O hospital, por três vezes, emitiu RESULTADO POSITIVO EQUIVOCADO (REsp 1.291.576-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/2/2012).
Em suma, por três vezes, o cidadão teve a certeza de que era portador do HIV quando na realidade não o era. Conforme o informativo, “a Min. Relatora ressaltou que o defeito no fornecimento do serviço, com exame repetido e confirmado, ainda que com a ressalva do médico de que poderia ser necessário exame complementar, causa sofrimento à paciente, visto que o recorrido assumiu a obrigação de realizar exame com resultado veraz, o que não ocorreu”.
O Tribunal concedeu a importância de R$ 15.000,00 para a vítima!
Percebe-se o seguinte, no mesmo dia 28 de fevereiro, a mesma Terceira Turma do STJ entendeu que o ex-presidente Collor teve sua “honra” maculada e isto vale R$ 500.000,00 e o cidadão que por três vezes acreditou portar o HIV com todas as tristes conseqüências da doença fica indene com o pagamento de R$ 15.000,00.
Como disse um dia Marco Tulio Cícero, em sua famosa oração: “O tempora! O mores!”