“Transferência de controle societário e denúncia da locação – art. 13”
Em nossas colunas anteriores da Carta Forense, analisamos algumas das modificações da Lei 8.245/91 em razão da edição da Lei 12.112/09. Neste momento, cabe uma reflexão sobre um dispositivo que foi modificado pelo projeto de lei, mas que acabou vetado pelo Presidente da República.
Trata-se da inserção do parágrafo terceiro ao artigo 13 da lei especial. Teria sido o veto acertado ou equivocado?
Redação original | Redação do projeto de Lei 140/09 |
Art. 13. A cessão da locação, a sublocação e o empréstimo do imóvel, total ou parcialmente, dependem do consentimento prévio e escrito do locador.
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Art. 13. A cessão da locação, a sublocação e o empréstimo do imóvel, total ou parcialmente, dependem do consentimento prévio e escrito do locador.
§ 3o Nas locações não residenciais, equipara-se à cessão da locação qualquer negócio jurídico que importe na transferência do controle societário do locatário pessoa jurídica.
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- a) Caráter pessoal da locação.
A locação de imóvel urbano, por suas peculiaridades e características, é um contrato com forte ideia de confiança e pessoalidade.
Em razão de tal fato a lei veda expressamente:
1) A possibilidade de cessão de locação, ou seja, de substituição do locatário original por um terceiro;
2) A sublocação. A sublocação é um contrato derivado, pois sua existência decorre exclusivamente de outro contrato (que é o principal), sendo que uma das partes participa tanto do contrato principal quanto do derivado. Importante notar que a sublocação poderá ter por objeto certa parte do imóvel locado ou a totalidade dele.
3) O empréstimo. Na realidade, a lei veda o comodato do imóvel locado a terceiros estranhos à relação locatícia.
Note-se que todas as proibições previstas no caput do art. 13 cuidam de situações em que terceiros, que não o locatário, acabariam assumindo o contrato (cessão) ou simplesmente ficariam com sua posse direta (sublocação e comodato).
A razão de ser da proibição da prática de tais atos sem a expressa anuência escrita do locador parece clara: o risco de terceiros danificarem o imóvel é muito grande, o que retira o direito de permitir que terceiros tenham a posse direta do bem locado.
Exatamente para impedir a cessão da posse é que o art. 13 proíbe tanto a cessão onerosa (sublocação) ou gratuita (comodato) do bem locado.
- b) Razões do veto.
O projeto de lei 140 de 2009 pretendia acrescentar um parágrafo único ao artigo 13 da lei especial no tocante às locações não residenciais. De acordo com a redação aprovada pelo Congresso Nacional, equivaleria à cessão da locação “qualquer negócio jurídico que importe na transferência do controle societário do locatário pessoa jurídica”.
As razões do veto são claras e absolutamente corretas: “Não é possível confundir a estruturação societária da pessoa jurídica, que, independentemente da formação do quadro de sócios, tem personalidade jurídica própria, com o contrato de locação havido entre o locador e a própria pessoa jurídica. Ou seja, em outras palavras, o contrato de locação firmado entre locador e pessoa jurídica não guarda qualquer relação de dependência com a estruturação societária de pessoa jurídica locatária, considerando, essencialmente, a distinção da personalidade jurídica de cada um (sócios e a própria pessoa jurídica), conferida pelo ordenamento jurídico pátrio para cada um dos entes. Além do mais, cabe registrar que exigências assim impediriam ou dificultariam sobremaneira operações societárias de transferência de cotas sociais ou ações de sociedades empresárias, tal como, exemplificativamente, a incorporação, fusão ou aquisição da participação majoritária de grandes empresas.”
É evidente que a pessoa jurídica tem personalidade distinta da de sues membros. Aliás, a criação da pessoa jurídica ocorre exatamente para permitir a separação de direitos e deveres das pessoas dos sócios ou associados daqueles da sociedade ou associação.
O projeto aprovado pelo Congresso negava evolução histórica secular e acabava por confundir os conceitos de pessoa física e jurídica. Curioso, também, mencionar que as razões apresentadas pela senadora Ideli Salvati para justificar o dispositivo vetado não têm qualquer lógica: “a alteração prevista com a inclusão do § 3º ao art. 13 tem a finalidade de reforçar o entendimento, já tradicional no direito brasileiro, de que inclusive a cessão da locação de caráter não-residencial somente é lícita quando autorizada pelo locador” (grifou-se).
Aliás, se o texto não tivesse sido corretamente vetado, o locador teria verdadeiro poder de ingerência sobre a pessoa jurídica locatária, sem qualquer lógica ou plausibilidade. Imaginemos que uma grande empresa resolve abrir seu capital e vender ações em bolsa. O locador do imóvel da sede poderia se opor à mudança de controle? Verdadeiro absurdo. Pior: com a mudança poderia despejar a empresa locatária por quebra de dever legal? Também uma idiossincrasia.
A ingerência do locador sobre a pessoa jurídica locatária reflete abuso de direito e padece de qualquer justificativa lógica ou jurídica.
Apenas para demonstrar o absurdo do projeto aprovado, pensemos na cessão do controle acionário de uma grande empresa brasileira (Grupo Pão de Açúcar) a uma empresa francesa (Grupo Casino). Em todos os contrato de locação de todos prédios locados pela rede brasileira de supermercados, haveria a necessidade de concordância dos locadores
E se a concordância não houvesse, estaríamos diante de descumprimento de dever legal a ensejar o despejo por denúncia cheia (art. 9º, II, da Lei 8.245/91).
Cabe uma ponderação: apesar do veto presidencial, podem os contratos de locação preverem que “nas locações não residenciais, equipara-se à cessão da locação qualquer negócio jurídico que importe na transferência do controle societário do locatário pessoa jurídica”. E daí a questão que surge é a seguinte: tal cláusula contratual é válida?
Por todas as razões expostas a resposta é que tal cláusula é nula por afrontar o artigo 45 da Lei 8.245/91 que assim dispõe:
“São nulas de pleno direito as cláusulas do contrato de locação que visem a elidir os objetivos da presente lei, notadamente as que proíbam a prorrogação prevista no art. 47, ou que afastem o direito à renovação, na hipótese do art. 51, ou que imponham obrigações pecuniárias para tanto”.
Despejar a sociedade locatária por mudança do controle societário é dar ao locador poder que desequilibra excessivamente o contrato e fere, portanto, sua função social que é norma de ordem pública (art. 2035 do CC). A cláusula é de todo injustificada.
Poder-se-ia argumentar que a mudança do controle geraria menor possibilidade de pagamento do aluguel. O argumento é falacioso, pois a pessoa física do sócio não se confunde com a jurídica.
Ademais, se um dos sócios for fiador, por exemplo, ainda que ele se retire da sociedade, a fiança se mantém, pois é contrato entre fiador e locador, que só pode ser alterado com a concordância do último.
Em conclusão, perfeito o veto e sua razão, pois, se o texto de lei aprovado pelo Congresso fosse mantido, haveria a negação da histórica separação entre a personalidade da pessoa jurídica e a de seus membros. Também, nula a cláusula contratual que contenha previsão semelhante ao dispositivo vetado por gerar desequilíbrio contratual e ferir a função social do contrato.