Questões controvertidas – a mudança do regime de bens (3a Parte)

Após a análise da interessante questão da mutabilidade do regime de bens, os motivos a autorizá-la, bem como a possibilidade de que os casados antes da vigência do Código de 2002 a realizem, cabe a reflexão a respeito da possibilidade das pessoas casadas pelo regime da separação obrigatória de bens requerem a mudança do regime imposto por força do artigo 1641.
Para que a reflexão seja possível, necessária será a análise do artigo 1641, sua razão de ser, e os motivos que levaram o legislador a criar a restrição ao regime de bens.
Determina o Código de 2002 ser obrigatório o regime da separação de bens no casamento das pessoas que contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento, previstas no artigo 1523 (CC, art. 1641, I). As causas suspensivas do casamento não impedem que o casamento se realize (vide o caput do artigo 1523 que utiliza a expressão “não devem se casar”), mas este virá acompanhado de uma sanção, a adoção obrigatória do regime da separação total de bens. Trata-se de normas protetivas dos próprios nubentes ou de terceiros que poderiam ter prejuízos com o casamento.
Assim, o viúvo que, tendo filhos, se casa novamente sem realizar inventário dos bens da primeira esposa, deve se casar pelo regime da separação de bens (CC, art. 1523, I), para evitar confusão patrimonial entre os bens da primeira (que deveriam ser partilhados entre os herdeiros desta) e os bens da segunda esposa. Da mesma forma, o tutor que casa com sua pupila antes de prestar contas de sua administração (CC, art. 1523, IV) que poderia se utilizar do casamento para encobrir seus desmandos na administração do patrimônio alheio.
A questão que se coloca é a seguinte: após realizado o casamento em infração à causa suspensiva e tendo os nubentes adotado o regime da separação obrigatória, podem os cônjuges requerer a alteração do regime de bens? A resposta dependerá do caso concreto, em que pese, no primeiro momento, termos a impressão de que a resposta seria não.
Isso porque se a causa suspensiva vier a desaparecer, durante o curso do casamento, a proteção almejada pela lei torna-se desnecessária e os cônjuges terão todo o direito de pleitear a alteração do regime. Retomemos os exemplos analisados. Se o viúvo, depois de casado pelo regime da separação obrigatória, fizer o inventário dos bens de sua primeira esposa, partilhando-os entre os herdeiros, poderá requerer ao Juízo a alteração do regime, pois com a mudança ninguém sofrerá qualquer tipo de prejuízo.
Da mesma forma o tutor que se casa com a pupila pela separação obrigatória, e, posteriormente, presta conta de sua administração e se verifica que a mesma foi idônea e irrepreensível. Os cônjuges poderão, normalmente, requerer a alteração do regime da separação obrigatória para outro que lhes aprouver.
Também, deverão adotar o regime da separação obrigatória de bens as pessoas que se casarem com mais de 60 anos (CC, art. 1641, II). A razão de ser da regra é questionável e sua constitucionalidade também (vide acórdão que entende inconstitucional a regra – Ap. 007.512-4/2-00 TJSP, rel. Des. Cezar Peluso, j. 18.8.98).
Entende o legislador que a partir dos 60 anos de idade, a pessoa poderia ser facilmente ludibriada por alguém mais jovem que, ao invés de se interessar pelos seus atrativos físicos ou espirituais, estaria atraído pelo seu potencial financeiro. O chamado “golpe do baú”. Nessa hipótese, ainda que um homem de 60 anos se case com uma mulher de 60, o regime imposto a ambos será o da separação obrigatória.
Poderiam os cônjuges pleitear mudança de regime? Isto nos parece inviável, salvo se, por procedimento judicial, ficasse reconhecida a inconstitucionalidade da norma. Em nenhum outro caso poder-se-ia pleitear a mudança de regime de bens para os maiores de 60 anos casados com a separação obrigatória.
A norma é inflexível e não permite ao Juízo que seja afastada a requerimento dos nubentes. Neste ponto, mereceria reforma o Código de 2002. Poderia o legislador ter admitido que, em casos excepcionais, após a análise do Juízo, fosse dada aos nubentes com mais de 60 anos a possibilidade de escolha do regime de bens.
Por fim, casarão pelo regime da separação obrigatória de bens, todos que dependerem para casar de suprimento judicial (CC, art. 1641, III). Duas hipóteses devem ser lembradas. Na primeira hipótese, o menor relativamente capaz (entre 16 e 18 anos) que, para se casar necessitará da autorização de seus pais. Se um dos pais não concedê-la, necessário será o suprimento judicial (CC, art. 1519) e, nesta hipótese, o menor não poderá escolher livremente seu regime de bens e casará pela separação obrigatória. A segunda hipótese se refere aos menor de 16 anos, que ainda não atingiram a idade núbil, e só poderão se casar por meio de autorização judicial, para evitar a imposição de pena criminal ou em caso de gravidez (CC, art. 1520).
Tendo em vista que a lei considera tais pessoas imaturas, que não atingiram sua plena capacidade de discernimento, como forma de protegê-las, a lei impõe o regime da separação obrigatória de bens.
Nestas hipóteses o regime será imutável? A resposta é não. Se a lei pretende proteger pessoas incapazes em razão de sua idade, quando se tornarem plenamente capazes, ou seja, atingirem os 18 anos, desaparecerá a causa de imposição do regime. Assim, quando capaz, poderá o cônjuge pleitear a alteração de seu regime de bens. Com a capacidade plena, o motivo de proteção estará superado definitivamente.
Em conclusão, toda vez que desaparecer a causa ou motivo que impôs aos nubentes o regime da separação obrigatória prevista no artigo 1641 do Código de 2002, poderão os cônjuges pleitear a alteração do regime da separação obrigatória de bens, com base no § 2º do artigo 1649.
Nosso entendimento acompanha o enunciado da III Jornada de Direito Civil realizada pelo Conselho da Justiça Federal, em Brasília, nos dias 1 a 3 de dezembro de 2004: “A obrigatoriedade da separação de bens, nas hipóteses previstas nos incisos I e III do art. 1.641 do Código Civil, não impede a alteração do regime, desde que superada a causa que o impôs.”

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