A sucessão dos companheiros – Parte V – O Projeto 4.944/05

Em nossa última coluna da Carta Forense apontamos aos leitores em que situações o cônjuge e o companheiro do falecido concorreriam com descendentes e ascendentes, bem como qual seria o quinhão de patrimônio a ser atribuído de acordo com o Projeto Biscaia – IBDFAM.
Frisamos que o princípio do Projeto que se comenta é a absoluta igualdade de direitos sucessórios de cônjuges e companheiros.
Para concluirmos a questão da concorrência, cabe a importante análise da massa de bens em que se dará esta concorrência.
O Projeto Biscaia – IBDFAM, em seu artigo 1829, parágrafo único determina que:
“Parágrafo único. A concorrência referida nos incisos I e II dar-se-á, exclusivamente, quanto aos bens adquiridos onerosamente, durante a vigência do casamento ou da união estável, e sobre os quais não incida direito à meação, excluídos os sub-rogados”.
Assim, cria a regra projetada duas massas patrimoniais distintas do falecido.
Massa patrimonial sobre a qual há concorrência
A primeira será aquela composta pelos bens adquiridos a título oneroso na constância do casamento e da união estável, desde que sobre eles não incida a meação.
Massa patrimonial sobre a qual não há concorrência
Já na segunda massa de bens, estarão todos os bens que o falecido tinha antes do casamento ou da união estável, ou que o falecido adquiriu a título gratuito já casado ou convivendo, e, também, os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável ou casamento em que haja meação.
Conclusões sobre o parágrafo único do Projeto Biscaia – IBDFAM
Note-se que no regime da comunhão universal de bens, não haverá concorrência sucessória, pois todos os bens serão comuns e os que não forem serão aqueles adquiridos a título gratuito (ex: herança ou doação recebida com cláusula de incomunicabilidade, CC, art. 1668, I).
A solução é justa e adequada? Resposta sim! No regime da comunhão universal o cônjuge já tem direito à meação e, portanto, em caso de falecimento terá seu sustento garantido pelo seu próprio patrimônio. A concorrência revela-se desnecessária.
No regime da comunhão parcial a concorrência também não ocorrerá. Todos os bens particulares adquiridos antes do casamento estarão excluídos, bem como os bens adquiridos por doação ou herança na vigência do casamento e da união estável. Quais são os bens adquiridos a título oneroso sobre os quais não há meação? A leitura do artigo 1.659 do Código Civil indica que a resposta é nenhum.
A solução é justa e adequada? Resposta não! Isso porque nas hipóteses em que o falecido deixar apenas bens particulares (hipóteses não raras em que o de cujus vive de bens adquiridos antes do casamento ou mesmo por direito hereditário), o cônjuge sobrevivente ficará na míngua, já que não tem a meação em razão do regime e não terá direitos sucessórios na qualidade de concorrente.
Ocorre verdadeiro retrocesso, pois se o Projeto Biscaia – IBDFAM for aprovado, o cônjuge casado pelo regime da comunhão parcial de bens (enorme maioria em razão de ser este o regime legal), ficaria em situação pior àquela que estava quando da vigência do revogado Código Civil de 1916 em que, pelo menos, tinha o direito ao usufruto vidual garantido (CC/16, art. 1611, par. 1º).
Em se tratando do regime da separação absoluta e convencional de bens (adotada pelos cônjuges pro meio de pacto antenupcial) a regra poderá produzir efeitos. Isso porque se houver aquisição de bens a título oneroso na constância do casamento, o cônjuge concorrerá com descendentes ou ascendentes do falecido.
A solução é justa e adequada? Parece que sim, pois se durante o casamento ocorreu a aquisição de bens (presume-se um esforça comum que não produzirá efeitos durante a constância do casamento), mas que em razão do regime escolhido só pertence a um dos cônjuges, no caso de falecimento o outro não ficaria desamparado, já que dividira a herança com os descendentes e ascendentes.
Sobre todos os bens adquiridos antes do casamento, bem como aqueles adquiridos a título gratuito na constância do casamento, não haverá meação nem concorrência sucessória.
Entretanto, se a solução é positiva para o cônjuge, não podemos deixar de mencionar que a concorrência entre cônjuge e descendentes do falecido, mormente se não houver entre eles a relação de filiação, poderá ser muito tormentosa gerando conflitos infindáveis.
O último regime de bens que analisamos é o da separação obrigatória de bens (CC, art. 1641). Casam-se por este regime os maiores de 60 anos ou os menores de 18 que necessitaram de autorização judicial para se casar. Em se tratando de separação obrigatória, é necessário esclarecer que de acordo com a Súmula 377 do STF “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”. Assim, em sendo o regime o da separação obrigatória, sobre os bens adquiridos a título oneroso na constância do casamento, haverá direito à meação e, portanto, não haverá direito à concorrência com ascendentes e descendentes. Quanto a todos os demais bens, em que não haverá meação, não haverá também concorrência.
Então, também neste regime a concorrência inexistirá. Novamente se trata de retrocesso para o cônjuge sobrevivente, pois pelo Código Civil de 1916, em tal situação lhe seria garantido o usufruto vidual (CC/16, art. 1611, par. 1º).
Por fim, em se tratando de união estável, podemos afirmar que a situação será idêntica a dos cônjuges casados pelo regime da comunhão parcial, pois o regime de bens dos companheiros será este, salvo contrato escrito em sentido contrário.
Conclusão final
O parágrafo único do artigo 1829 do Projeto Biscaia – IBDFAM representa verdadeiro retrocesso, já que não garante ao cônjuge ou companheiro, em regra, situação patrimonial que garanta o seu sustento na hipótese de falecimento do consorte.
Preferimos afirmar que o dispositivo projetado mereceria reforma para que resgatasse o espírito do Código Civil de 2002. O novo Código Civil pretende garantir direito à concorrência sucessória nas hipóteses em que o regime de bens adotado pelos cônjuges ou companheiro não lhes garanta meação.
Concluímos, por fim, que seria melhor que o Projeto Biscaia – IBDFAM fosse alterado para que o parágrafo único do art. 1829 recebesse a seguinte redação:
“Parágrafo único. A concorrência referida nos incisos I e II dar-se-á, exclusivamente, quanto aos bens do falecido sobre os quais não incida direito à meação”.

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