Reforma Trabalhista. Dano extrapatrimonial: dano moral, estético e existencial? Parte IV

Em nossas últimas colunas da Carta Forense fizemos algumas reflexões da noção de dano extrapatrimonial e sua indenização. Analisamos a tormentosa relação entre danos moral e estético e a possibilidade de sua cumulação.

Afirmamos que a reforma da CLT, em matéria de indenização, trouxe coisas óbvias, que consistem em lugar comum (artigos 223 A, B, C, D e F). Apesar disso, há uma nova regra que altera substancialmente a questão da reparação do dano. Ela está prevista no novo artigo 223-E da CLT:

“São responsáveis pelo dano extrapatrimonial todos os que tenham colaborado para a ofensa ao bem jurídico tutelado, na proporção da ação ou da omissão”.

Como se sabe, o dano pode ser causado por mais de um ofensor. Nessa hipótese, temos um ilícito praticado por mais de uma pessoa e o resultado desse ato é o dano experimentado pela vítima. Pelo direito civil temos, para casos que tais, responsabilidade solidária, nos termos do art. 942 do Código Civil.

“Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação”.

A regra da solidariedade não é nova na hipótese de dano decorrente de ato ilícito. Já estava presente na Consolidação de Teixeira de Freitas (art. 806), na Nova Consolidação de Carlos de Carvalho (art. 1.004), no Projeto Beviláqua (art. 1.543), no Projeto Câmara (art.1.520) e no Código Civil de 1916 (art. 1.518).[1]. Aliás, é bem mais antiga, pois já existia no direito romano conforme indicam as fontes[2].

No Direito Civil, portanto, a vítima do dano pode escolher de qual causador do dano cobrar e quanto cobrar[3].

A CLT rompe com essa regra e cria a divisibilidade da obrigação de indenizar de acordo com a “proporção da ação ou omissão”. Isso significa que o dever de reparar passa a ser obrigação divisível e não mais solidária e, pior, que caberá à vítima provar essa proporção.

Imaginemos que o trabalhador tenha dois empregos (jornada parcial) em duas diferentes indústrias que desenvolvem atividades semelhantes. O empregado é enfermeiro em duas UTI oncológica de hospitais distintos e fica sujeito à exposição à radiação o que lhe causa[4] uma doença qualquer. Qual dos dois hospitais responde pelo dano? No sistema do Código Civil, ambos respondem solidariamente. Para a CLT, com a nova sistemática, cada um responde na proporção de sua conduta. Imaginemos que a jornada seja dividida do seguinte modo: 30% em um hospital e 70% no outro. A divisão da responsabilidade, portanto, se daria em partes desiguais de acordo com a proporção da conduta.

A vítima deverá provar a conduta do empregador, sua culpa[5], o dano sofrido, o nexo de causalidade e, ainda, a proporção dessa conduta. No caso concreto, essa prova pode ser impossível de se fazer e caberá ao juiz, então, aplicar a regra do artigo 257 do Código Civil: divisão em partes iguais (concursu partes fiunt).

Para se afastar a nefasta questão, o empregado deverá invocar o art. 818, §1º da CLT que cria ônus dinâmico da prova. Assim, nos casos em que houver impossibilidade ou excessiva dificuldade de produzir a prova ou se houver maior facilidade de produção da prova do fato contrário, o juízo poderá atribuir o ônus da prova de modo diverso ao tradicional. Considerando ainda o princípio da hipossuficiência do trabalhador, esse dispositivo acabará por suavizar esse efeito da reforma.

Em suma, a vítima do dano extrapatrimonial, com a reforma trabalhista, passa a ser uma vítima de segunda classe, que terá não só um ônus da prova distinto daquele das demais vítimas, como ainda as decorrências da obrigação divisível.

Como primeira consequência, o trabalhador lesado extrapatrimonialmente deverá demandar todos os causadores do dano e não apenas um. Isso significa que contará o processo com mais réus para que se consiga a indenização integral, pois cada causador do dano só responde na proporção de sua conduta.

Uma segunda consequência é a redução na chance de a vítima efetivamente receber a indenização. No exemplo supra, se um dos hospitais vier a falir e não houver bens para responder por suas dívidas, o empregado nada poderá cobrar do outro hospital, salvo a quantia por ele já devida. A solidariedade garantia tal vantagem.

Ainda, uma terceira consequência é perder a vantagem dos juros de mora. Pelo Código Civil, todos os devedores solidários respondem pelos juros de mora, independentemente da culpa[6]. Essa é uma grande vantagem para vítima do dano. Com a nova regra trabalhista, cada devedor só responde pela sua mora e não pela mora alheia.

Em suma, a regra que se cria é injustificada, rompe com a tradição histórica e milenar, além de prejudicar sensivelmente o empregado com relação aos danos extrapatrimoniais, que, normalmente, representam afronta a bens jurídicos valiosíssimos.

Em uma palavra: a reforma é um enorme retrocesso nessa questão.


[1] Código Civil anotado, João Luiz Alves, v. 2, 1935, p. 555

[2] “Os delitos cometidos por várias pessoas ou contra várias vítimas, geram, em virtude de disposição do direito justinianeu, obrigações solidárias (se cometidos por várias pessoas, surge a solidariedade passiva, se contra várias vítimas, a solidariedade ativa). Moreira Alves, 17ª edição, GEN, 2016, pp. 391/392.

[3] CC, Art. 275. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto.

[4] Para fins de exemplo, presumimos o nexo causal.

[5] CF, Art. 7º, XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa. Se a atividade do empregador for de risco, a responsabilidade pelos danos causados ao empregado é objetiva por força do art. 927, parágrafo único do Código Civil.

[6] Art. 280 do CC.

Para você citar:
SIMÃO, José Fernando. Reforma trabalhista – dano extrapatrimonial: dano mora, estético e existencial – Parte 4. Jornal Carta Forense, 02 jan. 2018.

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