Em nossas últimas colunas da Carta Forense fizemos algumas reflexões da noção de dano existencial e seu efetivo significado para o direito brasileiro. A conclusão a que chegamos foi de o dano existencial não ser categoria admitida no direito brasileiro, já que é importação pobre de instituto italiano que lá é utilizado para superar um sistema fechado de tipificação dos danos morais.
Assim, dano extrapatrimonial é um gênero que contém duas espécies: dano moral e dano estético. O dano moral atualmente admitido é um conceito alargado. É a lesão a direitos de personalidade (dano moral em sentido amplo ou impróprio) e também aquele que causa dor ou sofrimento (dano moral em sentido estrito ou próprio) chamado de pretium doloris. Dano estético é uma alteração morfológica (de forma, morfos em grego) permanente que causa um afeamento à vítima (vide parte 1 do presente artigo). Respondemos agora uma pergunta lançada anteriormente: se dano moral impróprio é aquele que afronta direitos da personalidade e o dano estético atinge a integridade física da vítima, logo é um atentado aos direitos da personalidade, por que não ser o dano estético espécie de dano moral?
A reforma trabalhista inclui na CLT dispositivos óbvios, preocupantes e insuficientes sobre o tema[1]. Óbvios, pois não dizem nada de novo; preocupantes, pois algum leitor desavisado pode imaginar que a CLT passou a trazer um rol taxativo de direitos da personalidade; e insuficientes, pois não há menção expressa sobre o dano estético, o que seria positivo pela máxima quod abundat non nocet[2].
E mesmo a Medida Provisória 808 de 14 de novembro de 2017 que alterou as regras recentemente reformadas não resolve o problema em questão[3].
Para respondermos à pergunta formulada, comecemos pela Súmula 387 do STJ que permite a cumulação dos danos moral e estético, o que indica que, segundo a leitura daquela Corte, são espécies autônomas[4].
É de se salientar que, se houver um acidente de trabalho em que o empregado perca uma parte do corpo, como a mão, haverá certamente um dano estético. Nessa hipótese, a indenização abrange o dano estético que se confunde com o dano moral impróprio, ou seja, a lesão ao direito de imagem ou à integridade física.
Como aquele ato ilícito (acidente de trabalho) gerou também um sofrimento, é possível a indenização por dano moral em seu sentido próprio, ou seja, o preço da dor. Contudo, não se pode fixar uma segunda indenização (para o dano moral impróprio), pois haveria dupla indenização perlo mesmo dano, já que o estético acaba por se confundir com o moral.
É claro que essa questão não se confunde com a indenização por dano material. A cumulação entre o dano material e moral já é antiga e não merece aprofundamento teórico. O mecânico que perdeu capacidade laborativa por força do acidente de trabalho que o deixou paraplégico receberá a indenização por dano moral pelo sofrimento e dano material na forma de lucro cessante (além dos danos emergentes) pela perda da capacidade laborativa[5].
Também é óbvio dizer que a indenização por danos materiais não interfere na avaliação dos danos extrapatrimoniais. A indenização se mede pela extensão do dano (o prefixo in– revelador da qualidade negativa, ou seja, indene significa sem dano) e, portanto, não há qualquer relação entre o valor do dano material e do moral[6].
Essa questão tormentosa da cumulação do dano moral e do estético não foi resolvida pela CLT após sua reforma. A reforma indica que o legislador novamente cuidou mal do tema, em razão de sua hipersuficiência e seu pouco comprometimento com a ciência do Direito.
Na última coluna sobre o tema, trabalharemos a efetiva e importante mudança contida na reforma: o novo artigo 223-E da CLT:
“São responsáveis pelo dano extrapatrimonial todos os que tenham colaborado para a ofensa ao bem jurídico tutelado, na proporção da ação ou da omissão”.
[1] ‘Art. 223-B. Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação.’
‘Art. 223-C. A honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física.’
[2] ‘Art. 223-A. Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título.’
[3] Essa é nova redação do artigo 223-C em razão da MP 808 que apernas ampliou o rol de bens jurídicos tutelados: “Art. 223-C. A etnia, a idade, a nacionalidade, a honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, o gênero, a orientação sexual, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa natural.”
[4]“Súmula 387: É lícita a cumulação de indenizações de dano estético e moral”.
[5] Novamente o texto de lei é óbvio: ‘Art. 223-F. A reparação por danos extrapatrimoniais pode ser pedida cumulativamente com a indenização por danos materiais decorrentes do mesmo ato lesivo”.
[6] Art. 223-F, § 2º. A composição das perdas e danos, assim compreendidos os lucros cessantes e os danos emergentes, não interfere na avaliação dos danos extrapatrimoniais.’
Para você citar:
SIMÃO, José Fernando. Reforma trabalhista – dano extrapatrimonial: dano moral, estético e existencial? – Parte III. Jornal Carta Forense, 01 dez. 2017.