Em nossa última Coluna, cuidei de explicar que não há confusão entre as figuras do pai, do padrasto e do ascendente genético. Retomo esses conceitos.
Pai é o homem que ocupa a posição de ascendente consanguíneo ou socioafetivo de primeiro grau emeta (art. 1591 do CC).
A paternidade é um dado construído a partir do afeto como valor jurídico.
Padrasto é o homem que se casa ou mantém união estável com a mãe de certa pessoa. É parente por afinidade de primeiro em linha reta (art. 1595, par. 1º do CC).
A ancestralidade genética é um dado biológico e se apura, atualmente, com grande margem de precisão, por meio do exame de DNA.
Assim, antes de construirmos uma tabela elucidativa dos efeitos jurídicos de cada uma dessas figuras, cabe resolver uma questão:
III – Paternidade socioafetiva e relação padrastal se confudem?
A resposta é negativa. A paternidade pode decorrer da consanguinidade ou de outra origem (art. 1.593): adoção, técnica heteróloga de reprodução humana assistida ou socioafetividade.
Quatro exemplos afastam as dúvidas sobre as figuras em debate.
Exemplo 1.
João tem um filho com Maria, Antonio, e o abandona. Maria se casa com Pedro. Pedro, padrasto, passa a exercer a função paterna: cuida de Antonio, leva Antonio ao médico, está junto com Antonio em suas alegrias e tristezas, provê alimentos de maneira costumeira, apresenta Antonio para terceiros como seu filho, viaja com Antonio costumeiramente e, por fim, Antonio chama Pedro de pai e Pedro o chama de filho.
Temos aqui claramente uma transmutação da figura jurídica do padrasto para pai socioafetivo. Erra aquele que denomina Pedro padrasto. É pai socioafetivo e os efeitos dessa relação são os próprios da paternidade.
Exemplo 2.
João tem um filho com Maria, Antonio, e o abandona. Maria se casa com Pedro. Pedro, padrasto, apesar de ser uma pessoa dedicada e preocupada com seu enteado, não assume a função paterna. Cuida de Antonio como cuida de qualquer pessoa, mas sem ocupar a posição de pai. Antonio se refere a Pedro como “tio Pedro” e Pedro o chama pelo prenome “Antonio”. As decisões do poder familiar são exclusivas de Maria. Pedro é, no máximo, faticamente um guardião.
Temos aqui claramente a permanência da figura jurídica do padrasto. Erra aquele que denomina Pedro pai. É apenas um bom padrasto e os efeitos dessa relação não são os decorrentes da paternidade.
Exemplo 3.
João tem um filho com Maria, Antonio. Após o fim do casamento, Maria se casa com Pedro. João está sempre presente na vida de Antonio. Pedro, padrasto, apesar de ser uma pessoa dedicada e preocupada com seu enteado, não assume a função paterna. Cuida de Antonio como cuida de qualquer pessoa, mas sem ocupar a posição de pai. Antonio se refere a Pedro como “tio Pedro” e Pedro o chama pelo prenome “Antonio”. As decisões do poder familiar são exclusivas de Maria.
Pedro permanece sendo padrasto, pois João é pai e exerce tal função ao lado de Maria.
Exemplo 4.
João tem um filho com Maria, Antonio. Após o fim do casamento, Maria se casa com Pedro. João está sempre presente na vida de Antonio. Pedro, padrasto, assim como João exercem a função paterna: cuidam de Antonio, levam Antonio ao médico, estão juntos com Antonio em suas alegrias e tristezas, provêem alimentos de maneira costumeira, apresentam Antonio para terceiros como seu filho, viajam com Antonio costumeiramente e, por fim, Antonio chama Pedro e João de pai e Pedro e João o chamam de filho.
Eureka! Temos aqui um caso raro, incomum e excepcional de multiparentalidade. João e Pedro são pais de Antonio e Maria sua mãe, pois os três simultaneamente exercem o poder familiar e as funções parentais. Em artigo futuro, exporei os erros recorrentes na doutrina ao confundir pai e ascendente genético para fins de criação da multiparentalidade.
Em suma, para o direito civil, pai socioafetivo é pai para todos os efeitos. Padrasto não é pai para nenhum efeito, salvo impedimento matrimonial.
Faço, então, uma tabela elucidativa dos efeitos das três categorias: pai, padrasto e ascendente genético.
Pai (socioafetivo ou biológico) | Padrasto | Ascendente genético | |
Deve prestar alimentos? | Sim | Não (em hipótese alguma). | Não. |
Pode representar ou assistir o menor? | Sim | Não | Não. |
Deve autorizar viagens ao Exterior? | Sim | Não | Não. |
Tem poder de decisão quanto à educação do menor, seja em questão pedagógica, seja em questão religiosa? | Sim | Não | Não. |
Tem poder de decisão quanto às questões de saúde do menor (tratamentos, medicamentos, intervenções cirúrgicas)? | Sim | Não | Não. |
O menor terá seu sobrenome? | Sim | Não, em regra. Contudo, a lei de Registros Públicos admite (art. 57, par. 8º da Lei 6.015/73). | Não. |
Há impedimento matrimonial para casamento? | Sim | Sim | Sim |
Terá a guarda do menor? | Sim, se atender ao melhor interesse da criança. | Não, em regra, mas pode ter a guarda se atender ao melhor interesse. | Não. |
Terá direito de visitas? | Sim, se não tiver a guarda | Não, em regra, mas pode tê-lo se atender ao melhor interesse | Não. |
Com essas linhas, espero contribuir para que a confusão reinante entre as categorias cesse. Confesso que o artigo não é verdadeira contribuição ao raciocínio jurídico. É apenas uma singela forma de se evitar confusões.
Uma simples busca pelo google indica a existência de artigos como o seguinte: “Padrasto tem que pagar pensão? Análise da filiação socioafetiva e o dever de alimentos”[1]. O título indica a confusão teórica que depois se espraia pelo artigo. São estas reflexões equivocadas que têm gerado balbúrdia e caos ao direito de família.
[1] http://emporiododireito.com.br/padrasto-tem-que-pagar-pensao/. Trecho emblemático da confusão teórica fica aqui citado “Ademais, o TJSC considerou os vínculos de parentesco por afinidade entre as partes. Sendo assim, o dever de alimentos entre o padrasto e a enteada não se baseia somente no entendimento doutrinário e no vínculo de afeto, mas no vínculo natural-jurídico, estabelecido pelo ordenamento jurídico pátrio”.