Mônica Bergamo e a Prova do Esforço Comum – Parte 3

Em nossas últimas colunas, falamos a respeito da evolução do conceito de concubinato para se chegar ao conceito de união estável e as questões patrimoniais decorrentes das relações entre homens e mulheres não casados.

Agora, é chegado o momento de se analisar a se a colunista Mônica Bergamo efetivamente noticiou uma mudança de orientação do STJ quanto às relações patrimoniais entre os companheiros.

III – A decisão do STJ de agosto de 2015

A decisão que foi objeto da coluna da jornalista Mônica Bergamo foi a seguinte:

“BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE. PARTILHA. NECESSIDADE DE PROVA DO ESFORÇO COMUM. PRESSUPOSTO DA PRETENSÃO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS.

1. Nos moldes do art. 258, II, do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos (matéria atualmente regida pelo art. 1.641, II, do Código Civil de 2002), à união estável de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, impõe-se o regime da separação obrigatória de bens.

2. Nessa hipótese, apenas os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum na sua aquisição, devem ser objeto de partilha.

3. Embargos de divergência conhecidos e providos para negar seguimento ao recurso especial.

(EREsp 1171820/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 21/09/2015)”

A união estável em questão se iniciou em 1990 e teve seu fim em 2002, ou seja, antes da vigência do atual Código Civil.

Nesse sentido, acerta o STJ ao não aplicar o Código Civil de 2002, pois este produziria efeitos para atingir uma situação fática já extinta quando de sua entrada em vigor. Aplicam-se as lei 8.971/94 e 9.278/96.

Restam duas questões: sob a égide da legislação anterior (leis de 1994 e 1996) seria necessária a prova do esforço comum? O que é esforço comum?

A resposta à primeira questão é negativa, pois tanto a lei de 1994 que falava em colaboração (art. 3º da Lei 8.971/94) e a lei de 1996 (art. 5º  da Lei 9.278/96) que falava em condomínio não exigem a prova do esforço comum para que surja o direito aos bens adquiridos na constância da união estável a título oneroso.

Contudo, no caso concreto há um agravante teórico. Um dos companheiros, quando do início da união estável, já contava com mais de 60 anos. Se casamento houvesse, em razão da idade, o regime aplicado seria o da separação obrigatória de bens (art. 1.641, II em sua redação original e não com a alteração para 70 anos em razão da Lei 12.344/2010).

O STJ pacificou entendimento pelo qual aplica-se à união estável a restrição existente para o casamento, sob pena de não atender ao ditame constitucional segundo o qual a lei deve facilitar sua conversão em casamento (art. 226, §3º da CF). Em que pese nossa total discordância da aplicação de uma regra restritiva de direitos por interpretação extensiva, em que pese o texto da Constituição apenas proibir o legislador de criar obstáculos à conversão em casamento, não havendo hierarquia entres as diversas espécies de família, a orientação que tem sido adotada pelo STJ é de imposição da separação obrigatória à união estável de sexagenários.

Ainda assim, apesar da imposição do regime, o mesmo Tribunal aplica à separação obrigatória de bens a Súmula 377 do STF segundo a qual:

“No regime da separação legal de bens, comunicam-se os bens adquiridos na constância do casamento”.

Novamente o tema é polêmico. Aplicar-se em 2015 uma Súmula de 1964 que nasceu em razão do art. 259 do CC/16, que foi revogado e não encontra correspondente na atual codificação é no mínimo discutível. A Súmula morreu em  2003 com a vigência do novo Código, mas continua a ser aplicada pelo STJ com apoio na doutrina majoritária (Flávio Tartuce e Rolf Madaleno, por exemplo).

E qual o fundamento da doutrina (a qual eu e Euclides de Oliveira não nos filiamos) para manutenção da Súmula 377 do STF? A Súmula evita enriquecimento sem causa de um dos cônjuges.

Agora vem a segunda questão. O que é esforço comum?

Em interpretação literal que advém do direito das obrigações, esforço comum é a contribuição direta para aquisição do bem a ser partilhado. Imagina-se um casal em que ambos os companheiros trabalham fora do lar, com atividades remuneradas. Ambos utilizam seus proventos para pagar as despesas do lar e adquirir bens. Nessa hipótese, haveria esforço comum em razão da contribuição direta de ambos os companheiros na aquisição do bem.

Pra o direito de família, esforço comum não é apenas o direto, mas também o indireto. O Companheiro que não tem atividade remunerada fora do lar, mas que se dedica a cuidar da família e dor lar, contribui também, mas de maneira indireta, com a aquisição de bens.

Assim sendo, a questão que se colocou no REsp 1171820/PR e que foi objeto da notícia de Mônica Bergamo foi a seguinte: esforço comum dos sexagenários, seja direito ou indireto, precisa ser provado?

A resposta é que o STJ entendeu que havia necessidade de prova do esforço comum nos seguintes termos:

“Tem-se, assim, que a adoção da compreensão de que o esforço comum deve ser presumido (por ser a regra) conduz à ineficácia do regime da separação obrigatória (ou legal) de bens, pois, para afastar a presunção, deverá o interessado fazer prova negativa, comprovar que o ex-cônjuge ou ex-companheiro em nada contribuiu para a aquisição onerosa de determinado bem, conquanto tenha sido a coisa adquirida na constância da união. Torna, portanto, praticamente impossível a separação dos aquestos.

Por sua vez, o entendimento de que a comunhão dos bens adquiridos pode ocorrer, desde que comprovado o esforço comum, parece mais consentânea com o sistema legal de regime de bens do casamento, recentemente confirmado no Código Civil de 2002, pois prestigia a eficácia do regime de separação legal de bens. Caberá ao interessado comprovar que teve efetiva e relevante (ainda que não financeira) participação no esforço para aquisição onerosa de determinado bem a ser partilhado com a dissolução da união (prova positiva).”

Assim, a decisão manteve o Acórdão do TJ/PR que não determinou a partilha de bens por inexistência da prova de esforço de comum.

Note-se que a decisão indica que sendo o esforço comum direto ou indireto esse deve ser comprovado pelo interessado. Não houve mudança quanto à admissão da contribuição indireta, mas sim de sua prova. Pela decisão em comento, a prova do esforço comum direto ou indireto caberá ao companheiro, não se presumindo, portanto.

A partir da decisão, questão melindrosa que surge é a seguinte: em que situações o cônjuge ou companheiro que cuida do doutro e da família, do lar conjugal, das pessoas da família e dos afazeres domésticos não terá contribuído de maneira indireta?

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