Em mais um dia de Congresso em Lisboa (23/02/2011), tive o prazer de assistir às palestras do Professor Miguel Teixeira de Souza da Faculdade de Direito de Lisboa e do amigo e Desembargador Jones Figueirêdo Alves, Desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco.
O tema instigante foi exatamente a dívida dos cônjuges e sua execução. A partir das palestras elucidativas, suscitou um amplo debate com o amigo Desembargador Frederico Ricardo Neves à redação do atual artigo Art. 655 B do CPC.
Dispõe a lei que “Tratando-se de penhora em bem indivisível a meação do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do bem”.
De imediato, a controvérsia se instaurou: pelo dispositivo o cônjuge não devedor que teve o bem comum executado terá direito à meação o que comporta duas possíveis interpretações.
Pela primeira, apura-se o valor pago pelo bem comum, e tal valor se divide em duas partes. Uma representa a meação e será entregue ao cônjuge não devedor. A segunda parte, pertencente ao devedor, será utilizada para satisfazer a dívida. Se o valor for superior ao crédito exequendo, o excesso será devolvido ao cônjuge devedor.
Exemplificamos. Certo bem vale R$ 100 mil e na praça oferece-se apenas 60 mil. O juiz, entendendo não se tratar de preço vil, autoriza a alienação. Por esta primeira tese, o cônjuge meeiro não devedor receberá 30 mil reais.
Uma segunda leitura possível do dispositivo é aquela pela qual a meação será descontada do produto da alienação e apenas o saldo será entregue ao credor para a satisfação da dívida.
Exemplificamos. Certo bem vale R$ 100 mil e na praça oferece-se apenas 60 mil. O juiz, entendendo não se tratar de preço vil, autoriza a alienação. Por esta segunda tese, o cônjuge meeiro não devedor receberá 50 mil reais que equivalem à meação, e apenas o saldo de 10 mil será entregue ao credor exequente.
Note-se que, de início, de acordo com a ótica civilista, deve-se frisar que o fato de o CPC autorizar a alienação de um bem comum para a satisfação da dívida de apenas um dos cônjuges significa, que, na realidade, haverá uma sub-rogação real. Em outras palavras, a esposa que não é devedora verá o imóvel do qual tem 50% da propriedade em razão da comunhão convertido em dinheiro. Agora, terá sua meação convertida de imóvel para dinheiro.
Não poderá a esposa ter redução do valor da meação por uma simples razão. Se permitido fosse, a esposa estaria de maneira indireta pagando parte da dívida do marido. Haveria uma responsabilidade por ato de terceiro não prevista expressamente em lei (neste sentido confiram-se os arts. 932, 1659 e 1668 do CC). Isto não se coaduna coma noção de responsabilidade pessoal que é basilar ao sistema brasileiro.
A única forma de manter a meação íntegra, portanto, de acordo com os princípios do Código civil, é aquela esposada pela segunda corrente.
Por outro lado, se analisados os dispositivos constitucionais, mais clara fica a necessidade de adoção da segunda corrente.
O inciso XXII do artigo 5º garante o direito de propriedade e deste direito é decorrência a meação do cônjuge não devedor. Ainda, o inciso XXIV que prevê excepcionalmente o direito de desapropriação pelo Estado, determina o pagamento da justa e prévia autorização em dinheiro.
Se adotada a primeira corrente, o cônjuge não devedor estaria irremediavelmente prejudicado, eis que indiretamente sofreria a perda de seu direito de propriedade por um ato do Estado (determinação judicial de alienação), sem receber a justa indenização. O direito de crédito não pode superar a noção de propriedade constitucionalmente garantida.
Em suma, do valor apurado em execução, primeiro se separa a meação do cônjuge devedor de acordo com a avaliação efetiva do bem e o saldo deverá ser entregue ao credor para a satisfação da dívida, restando claro que se este saldo for superior à dívida, o cônjuge devedor receberá parte do apurado.
É a única forma de se garantir a justa indenização em dinheiro prevista na Constituição e respeitar a noção de sub-rogação do Código Civil.
Vale notar a redação do art. 799 do Projeto 166/2010 (aprovado pelo Senado Federal e que se encontra na Câmara dos Deputados) que substituirá o atual CPCP.
O projeto dispõe o seguinte: “Recaindo a penhora em bens imóveis, será intimado também o cônjuge do executado, salvo se for casado em regime de separação absoluta de bens.
Par. único: tratando-se de bem indivisível, a meação do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do bem, reservando-se a esse a preferência na arrematação do bem em igualdade de condições”.