A prestação de serviços advocatícios, normalmente denominada, por equívoco, de contrato de honorários, gera e sempre gerou muito debate entre cliente e advogado. É uma das situações em que normalmente se aplica o velho adágio segundo o qual “casa de ferreiro, espeto de pau”. A presente reflexão cuidará apenas da prestação de serviços para patrocínio de demandas (a advocacia forense e não a consultiva).
Isso porque há uma coligação contratual: contrato de mandato e de prestação de serviços. Os dois tipos contratuais se coligam de maneira indissolúvel. A causa da outorga da procuração (instrumento do mandato) é a existência de uma prestação de serviços. E, na vida, forense, a prestação de serviços só produz efeitos com a existência do mandato.
Essa coligação contratual gera uma simbiose dos dois modelos nos planos da validade e da eficácia. Há uma contaminação, muitas vezes, de um tipo quanto ao outro.
Dou alguns exemplos. Se o mandato for nulo, impossível que se realize a prestação de serviços, já que o advogado não poderá representar o cliente no processo judicial. Da mesma forma, extinta a prestação de serviços, por vontade do cliente, por exemplo, o mandato não poderá prosseguir, pois a causa de se outorgar poderes ao advogado é que esse presta ao cliente um serviço.
A extinção do mandato implica a extinção da prestação de serviços e vice-versa. É por isso que o substabelecimento sem reserva de poderes significa que a prestação de serviços acabou. Se for com reserva, surge um novo prestador de serviços (o substabelecido), mas a prestação de serviços prossegue normalmente.
Além da incidência do Código Civil e do CDC às relações entre clientes e advogado (não tenho qualquer dúvida que existe uma relação de consumo evidente e que qualquer outra interpretação é equivocada), temos também a Lei n. 8.906/1994 que regulamenta a profissão do advogado.
Curiosamente, em termos de estrutura conceitual, mandato e prestação de serviços tem peculiaridades quanto à extinção. Isso porque a prestação de serviços, como típico contrato bilateral que o é, não pode se extinguir pela vontade exclusiva de uma das partes, sob pena de se admitir um “direito de arrependimento” não concedido por lei, bem como se nocautear o princípio pacta sunt servanda. Não há como se “arrepender” da venda de um bem, da locação de um imóvel, da empreitada contratada e assim por diante. O contrato obriga. Quem “se arrepende”, na realidade está descumprindo o contrato e responderá pelas perdas e danos. Não cabe, em regra, denúncia (resilição unilateral) em contrato bilateral. Cabe, sim, quando a lei autorizar ou em razão da natureza do contrato.
O contrato de mandato, apesar de bilateral, por ter a confiança em sua base, pode se extinguir por vontade de apenas uma das partes. É possível a resilição unilateral por meio da renúncia por parte do mandatário ou da revogação por parte do mandante.
Então surge o problema: a parte que deu causa à resilição unilateral do mandato responde por perdas e danos, pois, com isso, extinguiu também a prestação de serviços? A resposta passa pela razão da resilição do mandato. Pensemos, apenas na resilição pelo mandante, pelo cliente, que revoga a procuração.
Se o advogado deu causa, ou seja, agiu culposamente, com negligência ou imprudência, que na seara profissional recebem o nome de imperícia, o motivo da extinção do contrato foi a conduta culposa do profissional, que responderá pelas perdas e danos. Na realidade a hipótese é de resolução culposa (art. 475 do CC) e a revogação do mandato pelo cliente é ato lícito.
Se, contudo, o cliente simplesmente resolve “trocar de advogado”, por motivos egoísticos, porque entende que contratou mal (pagando honorários em demasia) e dá causa à extinção do mandato e consequentemente da prestação de serviços, deverá responder pelas perdas e danos decorrentes. É verdade que a resilição do mandato (pela revogação produzirá seus efeitos. O advogado não poderá prosseguir patrocinando a causa contra a vontade do cliente (mandante). Contudo, o advogado fará jus à indenização pela resolução culposa da prestação de serviços. Fará jus aos honorários contratados.
A questão que se coloca é, então, a quantificação do valor dos honorários a serem pagos pelo cliente. Em recente decisão[1], o STJ analisou um contrato em que se discutia “a validade de cláusula em aditamento contratual que previa o pagamento integral dos honorários advocatícios inicialmente contratados, mesmo se os serviços não fossem integralmente prestados ao cliente”.
A contratação ocorreu em 08 de março de 1994 e a ação foi ajuizada em 28 de abril de 1994. A sentença de procedência (tratava-se de ação de prestação de contas) ocorreu em 28 de julho de 1994 e o mandato foi revogado em 30 de maio de 1995. Em suma, o mandato e a prestação de serviços produziram efeito por 14 meses.
O Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu válida a cláusula contratual e determinou o pagamento integral dos honorários contratados, por se tratar de contrato paritário e invocou o princípio pacta sunt servanda.
Como bem narra a Ministra Nancy Andrighi, a controvérsia “está restrita aos honorários previstos no aditamento ao contrato de prestação de serviços advocatícios, celebrado em 04/10/1994, que prevê um acréscimo equivalente a 15% (quinze por cento) do resultado útil obtido pela recorrente em processo de prestação de contas”.
Como se tratam de honorários ad exitum, o prazo prescricional para sua cobrança se inicia quando violado o crédito, pois daí nasce a pretensão, ou seja, quando a cliente teve o sucesso em definitivo na demanda (trânsito em julgado). Assim, efetivamente a prescrição não se iniciou com a revogação do mandato. Acertada a decisão do STJ.
Também acertada a decisão no tocante ao afastamento da incidência o art. 22, § 4º, da Lei n. 8.906/1994 que possibilita a reserva nos próprios autos dos honorários advocatícios contratuais e sucumbenciais, pois isso não ocorre quando o mandato foi revogado. Só é possível se o contrato ainda estiver eficaz.
Curiosa, contudo, a fundamentação de decisão do STJ quanto ao mérito. Apesar de acertada, a fundamentação é estranha, pois deixa de analisar a natureza jurídica da cláusula cuja validade se discute. Assim temos:
“Desse modo, a pretensão de se obter o pagamento integral de honorários contratuais, fixados a partir do critério de moderação e razoabilidade em relação ao serviço total, traduz evidente desproporção, com a qual não pode pactuar o Poder Judiciário”.
Na realidade, a cláusula contratual cuja validade se discute é uma cláusula penal pela qual as partes estabelecem previamente o valor das perdas e danos casa haja resolução do contrato de prestação de serviços por culpa do cliente. Isso significa pagamento integral do saldo contratual apesar de o serviço não ter sido prestado integralmente, mas apenas parcialmente.
Por essa razão um artigo do Código Civil deveria ser invocado pelo STJ para reduzi-la: o art. 413. Se houve prestação parcial do serviço, os honorários se reduzem parcialmente adotando-se para tanto o critério da equidade.
A cláusula penal não pode ser aplicada em sua inteireza se o contrato foi parcialmente cumprido pelos advogados, ainda que a resilição decorra de motivos imputados apenas ao mandante. Grande parte do serviço foi prestada por outros profissionais, pois a decisão final da demanda demorou 23 anos e os advogados atuaram apenas por 14 meses.
Caberia, apenas, a redução da cláusula penal e nada mais.
[1] RECURSO ESPECIAL Nº 1.632.766 – SP, decisão de 6 de junho de 2017.
Para você citar:
SIMÃO, José Fernando. Honorários advocatícios e revogação do mandato: pagamento integral ou proporcional?. Jornal Carta Forense, 03 jul. 2017.