A provação pelo Senado do PL 117/2013 tem gerado grande número de manifestações por parte dos estudiosos do Direito e da Sociedade em geral. A sociedade, como o faz normalmente, reage com paixão, atecnia e sempre interessada, o que é o mais importante.
Não tenho certeza se todos efetivamente leram o projeto ou perceberam suas sutilezas. Tenho certeza que os “idealizadores” do PL entenderam bem o que pretendiam. Creio que não será tão simples o atingimento de seu desiderato.
Algumas perguntas precisam ser respondidas.
A eficácia imediata da norma a todos os processos em curso – “A criança passará o Natal comigo?”
A eficácia da lei, quando e se sancionada pela Presidente Dilma Roussef, será imediata ou seja, se aplicará a todos os processos em curso e, quanto aos já julgados, os pais poderão propor novas ações para a regulamentação dessa nova guarda.
Contudo, o que muda de imediato e antes de uma decisão do juiz no processo em curso? A resposta é absolutamente nada.
Se pelo acordo ou decisão judicial há previsão pela qual a guarda é unilateral da mãe, a simples aprovação da lei não a transforma em compartilhada em um verdadeiro “passe de mágica”.
E ainda que, depois do requerimento do pai, entenda o juiz que efetivamente, no caso concreto, a guarda compartilhada atende ao melhor interesse da criança, esta passará o Natal com quem? Com a mãe se for o ano dela ou com o pai se for o ano dele, conforme já vem ocorrendo, alternando-se os anos.
A guarda compartilhada nada muda no tocante a questões óbvias. No aniversária da criança, esta passa um ano com o pai e outro com mãe, alternando-se. No dia do aniversário do pai a criança fica com o pai e no da mãe com ela, respeitando-se suas atividades de estudo.
Não haverá qualquer mudança quanto às férias (metade delas com o pai e outra com a mãe), dos feriados; (se ficou um com o pai fica o outro com a mãe ou se a Páscoa de 2014 passou com a mãe a de 2015 passa com o pai); seu aniversário e aniversários dos pais.
Mas o que muda então? O pai que na guarda unilateral tem apenas direito de visita, na guarda compartilhada terá um maior convívio com o filho durante a semana apenas.
A prestação de contas . Guarda compartilhada extingue o deve do pai de pagar alimentos em dinheiro?
Há um dispositivo do PL 117/2013 que assusta. Há uma intenção subjacente que é fonte de preocupação ao intérprete. O parágrafo 5º do art. 1583 passa a ter a seguinte redação:
“§ 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos. Para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos”
O direito exigir prestação de contas, nos termos do PL 117/2013, fico restrito às hipóteses de guarda unilateral. Não se menciona igual direito na guarda compartilhada.
A sugestão da Senadora Angela Portela na Comissão de Direitos Humanos do Senado era mais abrangente:
“§ 6º Tanto na guarda unilateral, quanto na guarda compartilhada, ambos os genitores são partes legítimas para solicitar informações, receber prestações de contas e interferir nos assuntos ou situações que afetem direta ou indiretamente a saúde e a educação de seus filhos”
Por que apenas na guarda unilateral pode o pai que paga a pensão exigir prestação de contas? O objetivo escuso do PL 117/2013 é o seguinte: na guarda compartilhada, que na realidade é alternada, a criança passa uma semana com o pai e outra com a mãe, logo os alimentos são prestados em natura e não há razão para se pagar uma pensão em favor do fiilho.
Quanto à escola, seguro-saúde, aulas de idiomas e esportes, o pagamento seria feito diretamente ao credor. Em conclusão, com a “guarda compartilhada” alternada pretendida pelo parágrafo 3º do art. 1583, o pai não mais pagarai a pensão em dinheiro para seu filho.
Leitura novamente apressada. Com a sanção presidencial, mantida a redação do PL 117/2013, a guarda alternada não será aplicada pelo Poder Judiciário, pois não atende ao melhor interesse da criança, e a pensão não deixará de ser paga, mas assistiremos a um “tsunami” de pedidos nesse sentido.
Ainda que, por hipótese, ad absurdum, alguns juízes apliquem a guarda alternada, a pensão prossegue devida para a aquisição de vestuário, medicamentos entre outros.
Custódia física?
Em sua redação original o PL 117/2013 falava em custódia física da criança ou adolescente.
“§ 2º Na guarda compartilhada, o tempo de custódia física dos filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filho”
O termo, apesar de gramaticalmente correto, não é consentâneo com os novos tempos em que custódia tem um sentido de coisificação do ser humano (coisas são custodiadas) ou da relação do Estado com os presos. Termo anacrônico e inadequado, por minha sugestão, foi substituído para “convívio familiar”.
Subtração do termo companhia e a responsabilidade civil.
A alteração do art. 1634, inciso II, revela que os autores do PL 117/2013 não compreendem o Código Civil como um sistema.
A redação atual do dispositivo é:
“Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:
II – tê-los em sua companhia e guarda;”
A redação dada pelo PL 117/2013 será:
“Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:
II – exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584”
Essa mudança do inciso II que retira o vocábulo “companhia” é reveladora do desconhecimento dos autores do PL 117/2013. Sua retirada significa evitar que “visitas” e companhia sejam consideradas sinônimas.
A supressão indicaria que o direito de visitas desaparece do direito brasileiro com a guarda compartilhada obrigatória.
A noção de companhia está ligada à responsabilidade civil nos termos do inciso I do art. 932 do Código Civil.
Sendo a guarda compartilhada, dúvidas não há que a responsabilidade civil dos pais passa a ser solidária em toda e qualquer hipótese de dano causado por seu filho menor, mesmo com a inútil supressão do termo do inciso II do art. 1.634 do Código Civil.
Para você citar:
SIMÃO, José Fernando. Guarda compartilhada obrigatória. Mito ou realidade? O que muda com a aprovação do PL 117/2013 – Parte 2. Jornal Carta Forense, 07 jan. 2015.