FIM DA NOVELA: STJ acerta contagem de grau de parente colateral – Decisão do TJ/SP é reformada

Em maio de 2007, escrevi aqui na Coluna da Carta Forense uma decisão do TJ/SP que classifiquei como surpreendente. E não no bom sentido. Isso porque se trata de uma hipótese corriqueira de sucessão na classe dos colaterais, cujas regras, frise-se, desde logo, não foram alteradas pelo Código Civil de 2002.

Vamos ao caso concreto. O Sr. José Eugênio faleceu, sem descendentes, ascendentes, cônjuge ou companheira sobrevivente. Deixou como parentes vivos seus tios Maria de Lourdes, Agenor e Ida., bem como sua prima Luciana, filha de sua irmã Nair, pré-morta.

No caso concreto, uma tabela ajudará a solução da questão:

Ora, de acordo com o artigo 1829, IV, se o falecido não deixou descendentes, ascendentes, cônjuge nem companheiro, os colaterais são chamados a herdar a totalidade dos bens. Quem são parentes colaterais? São aqueles que tem um ancestral comum, mas que não são descendentes, nem ascendentes entre si. São eles os irmãos, os tios, os sobrinhos, os primos-irmãos, os tios-avós e os sobrinhos netos.

Para saber qual colateral herdará os bens de José Eugênio, tomamos por base a regra do Código Civil pela qual dentro de uma classe de herdeiros, os parentes de grau mais próximo excluem os de grau mais remoto (CC, art. 1840)

Na linha colateral, a contagem de graus exige que se encontre um ancestral comum entre os parentes cujo grau se pretende contar. Determina o Código Civil que na linha colateral também sejam contados os graus pelo número de gerações, subindo de um dos parentes até ao ascendente comum, e descendo até encontrar o outro parente. (art. 1.594 do CC). A regra básica para não errar essa contagem é subir ao máximo, para depois descer.

Visualizando, os irmãos são parentes colaterais ou transversais em 2.º grau. Um grau separa o irmão A de seu pai, e outro grau separa o pai do irmão B. Para não errar na conta, deve-se contar o número de “saltos” (gerações) que se dá na árvore genealógica. Vejamos o diagrama:

Já o sobrinho é parente colateral em terceiro grau de seu tio. Vamos partir do sobrinho e chegar ao tio na árvore da família. Entre o sobrinho e seu pai há um grau; entre seu pai e seu avô outro grau e, por fim, entre o avô e o tio há mais um grau. São três graus que separam o tio do sobrinho. Vejamos o diagrama.

Por fim, são parentes colaterais em 4.º grau os tios-avós, os primos-irmãos e os sobrinhos-netos. Os parentes colaterais em 4º grau só são chamados a suceder por direito próprio e nunca por representação, ou seja, se o falecido não deixou nenhum colateral em 2º ou 3º grau.

Em resumo, se José Eugênio deixou seus tios como herdeiros (colaterais em 3º grau) e sua prima-irmã (colateral em 4º grau), os tios herdam a totalidade da herança e a prima nada recebe, em razão do artigo 1840 do Código Civil (art. 1613 do CC/16)!

E por que a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo surpreende? Porque considerou a prima-irmã Luciana (colateral de 4º grau), como se fosse sobrinha do falecido (parente de 3º grau)! Transcrevemos a ementa do julgado:

“Sucessão – Ausência de cônjuge supérstite e descendentes diretos – Tios ascendentes herdeiros, um deles premoriente ao “e;de cujus”e; – Direito de representação da sobrinha” – AI 400.146-4/7, TJ/SP, publicada em 16 de julho de 2007.

Esse erro na contagem dos graus de parentesco fez com que o julgado criasse, de maneira evidentemente equivocada, REPRESENTAÇÃO DO PARENTE COLATERAL DE 4º GRAU.

Da decisão de São Paulo, houve interposição de Recurso Especial que foi julgado pelo STJ (Resp. 950.301-SP). O relator Ministro João Otávio Noronha assim entendeu: “Aplica-se o óbice previsto na Súmula 282 do STJ quando a questão suscitada no recurso especial não foi apreciada pela Corte a quo. Recurso Especial desprovido.”

A decisão revelou-se no mínimo curiosa: o TJ/SP contou de maneira errada o grau de parentesco entre uma prima-irmã e o falecido e o STJ não admitiu o recurso por entender que a questão não foi apreciada pelo Tribunal de origem?

O aguerrido advogado não se conformou! O Dr. Luis Antônio Severo de Lima interpôs Agravo Regimental ao Ministro João Otávio Noronha apenas para dizer o óbvio: houve um erro na contagem de graus de parentesco!

Então, depois de longos o tormentosos anos, a novela chegou ao fim: “os parentes colaterais de 4º grau só são chamados a suceder por direito próprio., mas não por representação, ou seja, só herdam se o falecido não tiver deixado nenhum colateral de 3º grau.”

E concluiu o julgador: “nessa situação, a recorrida é prima e parente em 4º grau, não podendo representar sua mãe, sendo excluída da sucessão por não concorrer com os tios, parentes de 3º grau colateral”.

Pelo menos, no caso concreto, vale o adágio pelo qual a Justiça tarda, mas não falha! O STJ mostrou que sabe efetuar a contagem de graus de parentesco.

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