Escrevo estas linhas da aprazível cidade do Porto, segunda maior de Portugal. Estou no país, desta feita, como membro de uma comitiva da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, para firmar ou aditar convênios com duas importantes Universidades públicas portuguesas: a de Coimbra (com seus oito séculos) e a do Porto (com pouco mais de 100 anos). A Faculdade de Direito da USP neste ano comemora seu 185º aniversário.
O objetivo é o aprofundamento dos vínculos acadêmicos a permitir a troca de conhecimento entre docentes e discentes das instituições, trocas estas que fazem parte do Programa de Internacionalização da Universidade de São Paulo.
Fato é que nestas muitas vindas ao Velho mundo, especialmente Portugal, não há outra conversa que não a crise econômica que se prolonga de maneira dolorosa há meses. É curioso como os brasileiros me perguntam sobre estas questões. “Como vão as coisas em Portugal?”. Esta pergunta esconde, em realidade, um orgulho brasileiro indisfarçado neste momento histórico em que as coisas andam economicamente mal em Portugal e excepcionalmente boas no Brasil.
Há um pessimismo no ar em que o povo português parece conformado, como se a crise fosse algo inevitável, de cujos efeitos não pode escapar. Um verdadeiro fatalismo. A frase que dá título à presente reflexão (“era Lisboa e chovia”) me foi dita pelo nosso Diretor Prof. Magalhães lembrando a obra de Eça de Queiroz “A correspondência de Fradique Mendes”. Lendo o livro em questão, que data do Século XIX, a personagem Fradique Mendes, retorna a Lisboa após longo período em Paris e relata à sua madrinha sua chegada à cidade. Suas malas demoraram a chegar, não eram liberadas pela alfândega, ficaram sob a chuva…Depois, a personagem não consegue arrumar um transporte para ser levado à sua casa, tem que transportar as malas nas costas até um hotel, passa por enormes agruras típicas de um país atrasado e então proclama: não só estava em Lisboa, como ainda chovia! Era o pior dos mundos.
É de se perceber que a crise do Euro conseguir trazer questões a Portugal que antes não eram pensadas. A decisão do Governo de retirar o 13º e o 14º salários dos funcionários públicos, depois de já ter reduzido em 10% seus vencimentos, gera uma debate quanto ao Direito Adquirido dos trabalhadores e até onde pode ir o Governo sob a alegação de sanear as finanças. O Tribunal Constitucional, por maioria de votos, entendeu ser possível a redução em 10%, sem que isto afrontasse a Constituição portuguesa.
Por outro lado, o Brasil pujante vê a promulgação de seu Código Florestal, com vetos presidenciais. Esta é a parte democrática do jogo. O veto poderia, então, como prevê a Constituição ser derrubado pelo Congresso. Aí vem a parte curiosa: mas matérias vetadas são disciplinadas por uma medida provisória em que a Presidente substituiu a vontade do povo representada pelo Legislativo por sua própria. Retira-se do Congresso o direito de decidir sobre os vetos e prevalece uma vontade sobre a de todos.
O grande país pujante toma decisões típicas de país sem instituições sólidas. A vontade do chefe do executivo é imposta a nação apesar de pensamento diverso de todo o Congresso nacional. Em Portugal, foi o Tribunal Constitucional, de maneira política ou não, que permitiu a redução dos direitos dos trabalhadores.
Em suma, apesar de crise econômica estrutural e grave que macula Portugal, percebe-se que suas instituições permanecem sólidas. Já no Brasil, país do momento, espelho para os demais países, as mazelas institucionais prosseguem. O país não investe em educação, saúde e infraestrutura. Há uma euforia momentânea e bem aproveitada politicamente que não reflete um sério projeto político de futuro. Aliás, as mazelas ultrapassam o Poder Executivo. O STF afirma com serenidade que atrasará o julgamento do “mensalão”…com qual objetivo?
Enfim, não sou um entusiasta do Brasil e também não vejo a situação de Portugal de maneira tão contundente. Para ambas as nações, vale lembrar a frase do próprio Fradique Mendes: “saímos ao largo, mudos, sondando a escuridão, com o ouvido inclinado ao lagedo, a escutar ansiosamente se ao longe, muito ao longe, não sentiríamos rolar para nós o calhambeque da Providência”.