Alteração de Lei de Locação – Primeiras Reflexões – Parte II

Dando prosseguimento aos estudos relativos às profundas alterações da Lei 8.245/91 em razão da edição da Lei 12.112/09, cabe uma reflexão no tocante ao prosseguimento da locação em que pesem mudanças no status familiar.

Trata-se da alteração sofrida pelo artigo 12 da lei de locação em especial com relação à fiança e seu prosseguimento. Haveria a continuação do contrato acessório em havendo o prosseguimento do principal? É este o tema destas linahas.

          Redação original           Redação nova
Art. 12. Em casos de separação de fato, separação judicial, divórcio ou dissolução da sociedade concubinária, a locação prosseguirá automaticamente com o cônjuge ou companheiro que permanecer no imóvel.

Parágrafo único. Nas hipóteses previstas neste artigo, a sub  rogação será comunicada por escrito ao locador, o qual terá o direito de exigir, no prazo de trinta dias, a substituição do fiador ou o oferecimento de qualquer das garantias previstas nesta lei.

 

Art. 12. Em casos de separação de fato, separação judicial, divórcio ou dissolução da união estável, a locação residencial prosseguirá automaticamente com o cônjuge ou companheiro que permanecer no imóvel.

§ 1o  Nas hipóteses previstas neste artigo e no art. 11, a sub-rogação será comunicada por escrito ao locador e ao fiador, se esta for a modalidade de garantia locatícia.

 

§ 2o  O fiador poderá exonerar-se das suas responsabilidades no prazo de 30 (trinta) dias contado do recebimento da comunicação oferecida pelo sub-rogado, ficando responsável pelos efeitos da fiança durante 120 (cento e vinte) dias após a notificação ao locador.

 

 

a) Redação original.

O artigo 12 cuida de mudanças na situação familiar e seus efeitos quanto ao contrato de locação, mais especificamente no tocante à fiança.

O divórcio é forma de extinção do casamento que põe fim não só a sociedade conjugal, como também ao vínculo. Em razão do divórcio, os antigos cônjuges podem se casar.

Já a separação judicial apenas põe fim à sociedade conjugal, ou seja, aos deveres decorrentes do casamento (art. 1566 do CC), bem como ao regime de bens. Após a separação judicial, não há mais relação patrimonial entre os cônjuges, que, permanecem impedidos de se casar por não terem rompido o vínculo conjugal que ainda os une.

A união estável é aquela entre o homem e a mulher que tem convivência pública, contínua e duradoura com o objetivo de constituir família (art. 1723 do CC). São as pessoas que podem se casar, mas optam por não fazê-lo. No tocante aos separados judicialmente ou de fato, apesar de seu impedimento para o casamento, a lei permite que convivam em união estável (art. 1723, parágrafo primeiro do CC).

O artigo 12 deixa claro que a locação de imóvel urbano não é contrato personalíssimo, ou seja, que se extinguiria com mudanças na composição do núcleo familiar. Ainda que o marido ou companheiro figurem no contrato escrito como locatários, o fim do casamento e da união estável causa uma automática mudança no pólo passivo pela qual a esposa ou companheira assumem tal posição. É a chamada sub-rogação pessoal legal (independe de vontade das partes).

É de se frisar, que, ainda que os dois figurem no contrato escrito como locatários, com a mudança da situação familiar descrita no art. 12 da lei especial, o remanescente passará a figurar como único locatário.

Pela redação original do art. 12, em ocorrendo os fatos que acarretam a sub-rogação, esta “será comunicada por escrito ao locador, o qual terá o direito de exigir, no prazo de trinta dias, a substituição do fiador ou o oferecimento de qualquer das garantias previstas nesta lei”

A comunicação é obrigação imposta ao sub-rogado, já que houve alteração da figura do inquilino. A não-comunicação ao locador pode ser considerada infração contratual e ensejar a denúncia cheia (Lei 8.245/91, art. 9o, II). De qualquer forma, se não for feita a comunicação, dois são os entendimentos esposados pela jurisprudência.

De acordo com o primeiro entendimento, conclui-se que a não-comunicação ao locador acarreta a manutenção do vínculo locatício original em todos os seus termos. Então, o cônjuge ou companheiro que estiverem saindo do imóvel locado teriam também um ônus, qual seja, o de informar o novo proprietário, sob pena de responderem pelo aluguel e demais encargos, mesmo após o fim do casamento ou da união estável.

Entretanto, o segundo entendimento conclui que a sub-rogação decorrente de separação, divórcio ou dissolução de união estável é automática e que, portanto, a inexistência de comunicação apenas permitiria o despejo, mas não geraria qualquer obrigação ao antigo locatário, a partir da separação ou dissolução.

Em nossa opinião, a primeira corrente deve prevalecer. Se ocorrer uma mudança fática que altera drasticamente a situação do contrato de locação, com a substituição da figura do inquilino (devedor da obrigação), cabe ao sub-rogado o dever de informar. O dever surge em decorrência do princípio da boa-fé objetiva. É um dos deveres laterais ou anexos que, assim como os deveres principais, se inadimplido, gera o dever de indenizar.

b) Redação nova.

O artigo 12 continua a determinar o caráter não personalíssimo da locação, mesmo após a reforma, e mantém o sistema de sub-rogação automática que independe da vontade das partes.

caput reformado merece um elogio e uma crítica.

O elogio. Diz respeito à substituição do termo “sociedade concubinária”, que a lei 8.245/91 utilizava, pelo termo “união estável”. Sociedade concubinária é expressão inadequada, pois concubinato, de acordo com a dicção do art. 1.727 do Código Civil, é a união não eventual entre as pessoas impedidas de se casar. Em suma: é concubinato a relação de um homem casado que tenha uma amante. Trata-se de relação repudiada pelo direito e sem efeito em termos de direito de família.

A união estável, diferentemente, é um dos modelos de família e conta com proteção constitucional (art. 226, par. 3º da CF). Em nosso livro de locação já escrevíamos que o legislador utilizou expressão inadequada e infeliz e, portanto, melhor a redação dada pela lei 12.112/09.

A crítica: desde 2007, com a edição da Lei 11.441/07, sabe-se que o sistema de separação de direito no Brasil é dúplice. Pode se adotar a via judicial ou extrajudicial. Assim, os cônjuges que não tenham filhos menores ou incapazes podem se separar pela via administrativa sem a necessidade de propositura de demanda judicial.

A reforma da lei de locação revela descuido do legislador que sequer consegue adaptar o projeto à legislação que o antecedeuNote-se que se a lei foi aprovada em 2007, nada mais natural que em 2009, o projeto de mudança da Lei 8.245/91 já mencionasse em seu texto a modalidade de separação extrajudicial.

É clara a insuficiência da reforma ao deixar de mencionar a separação extrajudicial. A solução, como sempre, parte da doutrina e onde se lê separação judicial deve-se ler separação de direito, seja ela judicial ou extrajudicial. Não há que como se defender tese pela qual o art. 12 não se aplica às hipóteses de separação extrajudicial, pois a teleologia da norma aponta que sua aplicação decorre de qualquer mudança fática ou jurídica da conjugalidade do locatário.

O parágrafo primeiro cuida do dever que tem o sub-rogado de prestar informação escrita da sub-rogação. Esta será comunicada ao locador e ao fiador. Importante frisar que a redação original (parágrafo único do art. 12) continha duas diferenças com relação ao atual parágrafo primeiro do art. 12.

A primeira é que não exigia do sub-rogado fazer a comunicação escrita ao locador no caso de morte, apesar de expressamente se determinar a sub-rogação (art. 11. Morrendo o locatário, ficarão sub  rogados nos seus direitos e obrigações). Assim, a reforma traz uma ampliação do dever de efetuar a comunicação escrita.

Ainda, na redação original bastava a comunicação ao locador pelo sub-rogado, mas, com a reforma, a comunicação será dupla: ao locador e também ao fiador.

Como conseqüência, o fiador, de acordo com o parágrafo segundo acrescido ao art. 12 pela reforma, poderá exonerar-se das suas responsabilidades no prazo de 30 (trinta) dias contado do recebimento da comunicação oferecida pelo sub-rogado, ficando responsável pelos efeitos da fiança durante 120 (cento e vinte) dias após a notificação ao locador.

A exoneração é forma de resilição unilateral, que é a extinção do contrato decorrente da vontade de uma das partes. É possível nos contratos por prazo indeterminado, naqueles baseados na confiança ou nos casos admitidos por lei. Note-se que o fiador, do recebimento da comunicação, tem 30 dias para enviar a comunicação de exoneração ao locador, a qual só produz efeitos após 120 dias contados do recebimento pelo último.

Trata-se de declaração receptícia de vontades e, assim, é imprescindível o recebimento pelo locador para que o prazo se inicie. Curioso notar que a lei especial se afasta da regra geral prevista no Código Civil, pela qual o prazo de responsabilidade do fiador é de apenas 60 dias (art. 835 do CC).

O prazo de 120 dias é de suspensão dos efeitos da resilição que existe e é válida, mas ineficaz, de acordo com a teoria dos planos do negócio jurídico de Pontes de Miranda.

E se não houver notificação ao fiador por parte do cônjuge ou companheiro (art. 12) ou do viúvo, viúva ou herdeiros(art. 11)? Qual a sanção pelo descumprimento do dever de notificar?

Duas são as possíveis soluções. Uma primeira, é que a ausência de comunicação ao locador não produz qualquer efeito, já que a fiança se estabelece entre fiador e locador. Assim, não havendo a comunicação apenas o fiador poderá, posteriormente, pleitear perdas e danos daquele que deveria fazê-lo.

Note-se que seguindo este entendimento, o § 1º do art. 12 da lei 8.245/91 traria um dever (“a sub-rogação será comunicada”) cujo descumprimento não geraria qualquer efeito com relação ao contrato de fiança que permaneceria hígido.

Uma segunda posição leva em conta o caráter benéfico da fiança, ou seja, o fiador nada ganha e o contrato só traz vantagens ao locador.

Ainda, não há dúvidas que quando a fiança é prestada, certamente o fiador leva em conta a capacidade econômica do afiançado, já que isto é relevante quando do momento do regresso. Assim, a sub-rogação prevista no art. 12 pode ser muito prejudicial ao fiador, que simplesmente garantia dívida de certa pessoa e passa a garantir de pessoa diversa. E o pior: sem estar sequer sabendo que isto ocorreu!

Partindo-se dessas premissa, acreditamos que a ausência de notificação ao fiador constitui verdadeiro impedimento à possibilidade de exercer seu direito potestativo de exoneração. Assim, a ausência de notificação ao fiador significa sua automática exoneração que não pode responder por dívida que expressamente não garantiu.

Poder-se-ia argumentar que a conclusão não seria lógica tendo em vista que o contrato de fiança é firmado entre o fiador e o locador (o que é verdade, pois o devedor afiançado não  faz parte da relação contratual), e, portanto, a mudança do locatário não afeta a fiança. Entendemos que este argumento não prospera, pois entre o contrato de locação (celebrado entre locador e locatário) e o contrato de fiança (avençado entre locador e fiador), há uma nítida coligação contratual em razão da unicidade de operações econômicas envolvidas na contratação. Assim, a sub-rogação gera tão drástica mudança no contrato de locação que esta acaba por irradiar efeitos e atingir, ou contaminar, o contrato de fiança.

Há uma mudança extremamente relevante da base fática do contrato de locação que atinge a eficácia da fiança. Na prática, a sub-rogação pode gerar a obrigação ao fiador de responder por dívida de uma pessoa que ele nem conhece (falta a fidúcia), ou pior , que ele conhece, mas jamais afiançaria (por motivos pessoais ou mesmo ausência de patrimônio suficiente para o regresso).

Por todos estes motivos, entendemos que a ausência de notificação significa a exoneração automática do fiador. Por outro lado, nada impede que o próprio locador, ciente da sub-rogação, notifique o fiador nos termos do art. 12, §2º, ou, ainda, se a exoneração automática se configurar, terá o locador a faculdade de exigir do locatário nova garantia sob pena de despejo por denúncia cheia (art. 40, parágrafo único da lei 8.245/91).

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