Alteração de Lei de Locação – Primeiras Reflexões – Parte 1

I – Introdução

Em 9 de dezembro de 2009, depois de mais de dois meses da aprovação pelo Congresso, o Presidente Lula sancionou a lei 12.112 que alterou diversos dispositivos da lei de locação – 8.245/91.

São mudanças importantes que merecem algumas reflexões preliminares. É de se salientar nossa preocupação com as mudanças implementadas. Isso porque o mercado locatício é bastante sensível a mudanças legais. Seu equilíbrio é algo delicado e a experiência decorrente da lei 6.649/79 mostra quão catastrófica pode ser a mudança de regramento do setor.

Se a lei for demais complacente com o locatário, o locador preferirá deixar o imóvel vazio a alugá-lo; se demais benéfica ao locador, o locatário viverá intensa insegurança, gerando uma demanda infindável de ações e pleitos para que o Poder Judiciário dê um equilíbrio ao contrato.

É cedo ainda para qualquer juízo de valores com relação às mudanças ocorridas em dezembro de 2009. Há uma nítida tendência de beneficiar o locador, reduzir a responsabilidade do fiador permitindo sua exoneração (já que a exoneração passa a ser direito potestativo indisponível), e uma maior rigidez com o locatário, mormente com a concessão de liminar em novas situações originalmente não previstas no art. 59 da lei.

Tomando-se por base esta linha de raciocínio, dividiremos nossas reflexões de acordo com os artigos reformados de lei, e, ainda, mencionaremos alguns dos dispositivos vetados e suas razões.

II – Multa locatícia – art. 4º.

Redação original Redação nova
Art. 4º Durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel alugado. O locatário, todavia, poderá devolvêlo, pagando a multa pactuada, segundo a proporção prevista no art. 924 do Código Civil e, na sua falta, a que for judicialmente estipulada. “Art. 4o Durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel alugado. O locatário, todavia, poderá devolvê-lo, pagando a multa pactuada, proporcionalmente ao período de cumprimento do contrato, ou, na sua falta, a que for judicialmente estipulada.

 

  1. a) Redação original.

O artigo em questão cuida da devolução pelo locatário do imóvel antes do término do prazo avençado pelas partes. É hipótese clara de descumprimento do contrato pelo locatário. Diante do inadimplemento, o art. 4º cuidará da sanção, ou seja, a multa que o locatário pagará ao locador e sua eventual redução em razão do cumprimento parcial do contrato.

O Código Civil de 1916 previa, em seu art. 924[1] que, se a obrigação tivesse sido cumprida em parte, poderia o juiz reduzir a cláusula penal. Já o Código Civil de 2003, em seu art. 413[2], determina que o juiz deve reduzir a cláusula penal. Assim, o que era faculdade sob a égide do Código Civil de 1916, agora é dever.

Ademais, a redução que era feita por proporção (simples cálculo aritmético) passou a se dar por equidade, ou seja, de acordo com o caso concreto. O conceito de equidade, tomando-se por base as mais diversas fontes doutrinárias, é o de justiça no caso concreto, com a possibilidade de abrandamento dos rigores da lei, de acordo com as peculiaridades deste caso. O juiz deve suavizar o rigor legislativo, levando em conta o caso concreto que está sub judice.

Abandona-se o modelo da segurança jurídica (proporção) e se adota o modelo de cláusula geral que permite ao magistrado fazer Justiça.

Grande debate surgiu se a mudança do Código Civil que abole a redução por proporção e adota a redução por equidade teria afetado a lei especial. Isso porque a Lei 8.245/91 expressamente mencionava o art. 924 do Código Civil que, em razão da revogação, tem como correspondente o art. 413. Ora, se a redução por proporção some do sistema, nada mais lógico que a adoção da equidade também para os contratos de locação do imóvel urbano.

Na IV Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal, o Enunciado 179 foi revogado pelo Enunciado 357, como o nosso apoio, exatamente para afirmar que a regra do art. 413 se aplica à lei especial:

“357 – Art. 413. O art. 413 do Código Civil é o que complementa o art. 4o da Lei no 8.245/91. Revogado o Enunciado 179 da III Jornada.”

Assim, de acordo com a redação do art. 4º, vigente até dezembro de 2009, entendíamos que a redução da multa se daria de acordo com a equidade, e não com a proporção.

  1. b) Redação nova.

A questão polêmica se resolve com a edição da Lei 12.112/09 pela qual a redução será realizada “proporcionalmente ao período de cumprimento do contrato”. Com a lei especial posterior contraria a lei geral anterior, em matéria locatícia não se admite a redução por equidade, e sim por proporção.

Quem se beneficia da alteração do art. 4º da Lei 8.245/91? Resposta: a segurança jurídica. Adota-se um cálculo matemático pelo qual quanto mais tempo o locatário permanece no imóvel locado, menor a multa a ser paga ao locador.

Quem perde com a mudança? A Justiça no caso concreto. O juiz não pode avaliar a conduta deste locatário no período em que permaneceu no imóvel para fins de redução da multa. Assim, iguala-se o bom ao mau inquilino, já que a equidade permitiria que a redução se desse de acordo com a peculiaridade do caso concreto.

A partir da reforma de dezembro de 2009, dois inquilinos que cumpriram a metade do prazo contratado, pagarão metade da multa avençada. Se um deles cuidou do imóvel, foi zeloso, sempre pagou o aluguel em dia e está deixando o imóvel por problemas de saúde; se o outro foi péssimo inquilino, atrasava o pagamento do aluguel, causou tumulto ao prédio, descumpria o regimento interno, fazia barulho desmedidamente e, por fim,  saiu sem qualquer motivo, a multa aplicada a ambos será idêntica!

Entendemos que a aplicação da equidade era mais trabalhosa, pois exigiria do magistrado um outro tipo de cognição do processo. A prova era diferente e todo o conjunto probatório deveria ser analisado de maneira mais profunda. A proporção é matemática e, portanto, de simples aplicação.

Não melhora as relações contratuais o retorno ao sistema de proporção que na verdade revela arcaísmo do sistema fechado abandonado pelo atual Código Civil.

Curiosamente, as razões indicadas pela Senadora Ideli Salvati demonstram que o legislador nada entende de leis e não consegue perceber o alcance do diploma por ele aprovado.

A Senadora assim justifica a mudança: “a modificação do caput do art. 4º tem por objetivo eliminar a remissão contida no texto da lei a dispositivo do Código Civil revogado em 2002″

Em favor da mudança, podemos afirmar que a redução por proporção é algo tradicional no mercado locatício que, mesmo com a mudança do Código Civil de 2002, manteve na prática a proporção como forma de redução da multa.

[1] Art. 924.Quando se cumprir em parte a obrigação, poderá o juiz reduzir proporcionalmente a pena estipulada para o caso de mora, ou de inadimplemento.

[2] Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.

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