Prorrogação da locação e das garantias – art. 39.
Em nossas colunas anteriores da Carta Forense, analisamos algumas das modificações da Lei 8.245/91 em razão da edição da Lei 12.112/09. O tema que tratamos agora é um dos mais complexos e importantes. A prorrogação automática da locação e a questão das garantias.
Redação original | Redação nova. |
Art. 39. Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel.
|
Art. 39 Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força desta Lei. |
Redação original.
Em sua redação original, a lei 8.245/91 apenas mencionava que as garantias locatícias se estendiam até a efetiva devolução do imóvel, salvo disposição contratual em contrário.
A simples leitura da lei parecia deixar claro que, antes da devolução da posse do imóvel ao locador, qualquer garantia contratual permaneceria hígida e inalterada.
Contudo, importante debate foi travado no âmbito doutrinário e jurisprudencial no tocante à fiança e sua extinção quando da prorrogação automática do contrato de locação por prazo indeterminado. É a chamada prorrogação legal.
Em quais situações prevê a lei prorrogação por prazo indeterminado do contrato de locação?
- i)Nas locações residenciais, ajustadas por escrito e por prazo igual ou superior a trinta meses, a resolução do contrato ocorrerá findo o prazo estipulado, independentemente de notificação ou aviso. Entretanto, ocorrendo tal fato, se o locatário continuar na posse do imóvel alugado por mais de trinta dias sem oposição do locador, presumir – se – á prorrogada a locação por prazo indeterminado, mantidas as demais cláusulas e condições do contrato (art. 46).
- ii)Nas locações residenciais, quando ajustada verbalmente[1] ou por escrito e como prazo inferior a trinta meses, findo o prazo estabelecido, a locação prorroga – se automaticamente, por prazo indeterminado (art. 47).
iii) Nas locações por temporada (art. 48), findo o prazo ajustado, se o locatário permanecer no imóvel sem oposição do locador por mais de trinta dias, presumir – se – á prorrogada a locação por tempo indeterminado (art. 50).
- iv)Nas locações não residenciais, o contrato por prazo determinado cessa, de pleno direito, findo o prazo estipulado, independentemente de notificação ou aviso. Porém, findo o prazo estipulado, se o locatário permanecer no imóvel por mais de trinta dias sem oposição do locador, presumir–se–á prorrogada a locação nas condições ajustadas, mas sem prazo determinado (art. 56).
Nestas quatro hipóteses, em que é a lei e não a vontade dos contratantes que determina o prosseguimento do contrato de locação, surgia uma grande dúvida: a prorrogação do contrato de locação implica também a do contrato de fiança? O contrato principal celebrado entre o locador e o locatário se prorroga automaticamente. O contrato acessório de fiança sofreria o mesmo efeito?
Com relação à prorrogação automática da fiança a jurisprudência brasileira passou por dois momentos diversos.
Tradicionalmente, com base na Súmula 214 do Superior Tribunal de Justiça, datada de outubro de 1998, que assim dispõe: “o fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu”, aquele Tribunal entendia que a responsabilidade do fiador terminava com o fim do prazo contratual, sendo irrelevante o fato de o contrato conter cláusula determinando que a responsabilidade se estenderia até a efetiva desocupação do imóvel. Nesse sentido são os julgados dos anos de 2006 e 2007.
A Súmula e a liberação automática do fiador quando da prorrogação por data indeterminada partem da premissa pela qual a fiança é um contrato benéfico que não comporta interpretação extensiva (art. 819 do CC).
Portanto, com a ausência de manifestação expressa do fiador, a fiança estava extinta a partir da prorrogação automática, liberando o fiador de qualquer dever.
A partir do ano de 2007 e 2008, nota-se uma mudança na compreensão do instituo que se dá a partir de uma decisão do então Ministro do STJ, hoje afastado, Paulo Medina pela qual:
“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. LOCAÇÃO. FIANÇA. PRORROGAÇÃO. CLÁUSULA DE GARANTIA ATÉ A EFETIVA ENTREGA DAS CHAVES. Continuam os fiadores responsáveis pelos débitos locatícios posteriores à prorrogação legal do contrato se anuíram expressamente a essa possibilidade e não se exoneraram nas formas dos artigos 1.500 do CC/16 ou 835 do CC/02, a depender da época que firmaram a avença. Embargos de divergência a que se dá provimento. (EREsp 566633/CE, Rel. Ministro PAULO MEDINA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/11/2006, DJe 12/03/2008)”
A partir desta decisão, sistematicamente o STJ passou a decidir:
DIREITO CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. FIANÇA. PRORROGAÇÃO LEGAL POR PRAZO INDETERMINADO. EXONERAÇÃO AUTOMÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Existindo cláusula expressa no contrato de aluguel de que a responsabilidade do fiador perdurará até a efetiva entrega das chaves do imóvel objeto da locação, não há falar em desobrigação automática deste, ainda que o contrato tenha se prorrogado por prazo indeterminado. Precedentes da Terceira Seção do STJ. 2. Agravo regimental improvido.
(AgRg nos EAg 711.699/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 25/03/2009, DJe 06/04/2009)
Em suma, neste segundo momento, o STJ firmou posição pela qual em havendo cláusula contratual expressa pela qual o fiador responde até a efetiva entrega das chaves, com a prorrogação da locação, ocorre também a prorrogação da fiança, que permanece produzindo todos os seus efeitos.
A partir dessa nova orientação do Tribunal, para a exoneração do fiador necessária seria uma notificação ao locador manifestando sua vontade de extinguir a fiança. Assim, a extinção dependeria de um ato do fiador comunicado ao locador. A exoneração é, na realidade, modalidade de resilição unilateral do contrato de fiança.
Contudo, deve-se ressaltar que a situação do fiador se agrava quando no contrato houve renúncia ao direito de se exonerar. Cláusula de estilo presente nos contratos de locação adquiridos em papelaria é aquela em que o fiador renuncia ao direito de exoneração. Então surge uma segunda questão: se a fiança automaticamente se prorroga com a locação (de acordo com a nova orientação do STJ) e se o fiador renunciou ao direito de exoneração qual será o limite de sua responsabilidade? Verificaremos a questão ao comentar o artigo 40 da lei após a reforma ocorrida.
[1] De início, cabe uma ponderação. Na locação verbal, seja ela residencial ou não, impossível a existência de fiança, pois o Código Civil expressamente determina que a fiança dar-se-á por escrito (art. 819 do CC). Sendo verbal a locação, esta é válida, pois a locação tem forma livre, nos termos do art. 107 do CC pelo qual a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir. Contudo se a fiança for verbal, será nula em razão do descumprimento da forma prescrita em lei (art. 104, III do CC).