A História.
Foi com muito entusiasmo que o mundo comemorou os 1.000 anos da Magna Carta que data de 15 de junho de 1215.
O documento assinado por 25 barões e pelo Rei João em Runnymede, perto de Windsor, decorre de uma situação histórica das mais interessantes.
João era o último filho do Rei Henrique II (reinou entre 1154 a 1189) que, por sua vez, foi o primeiro plantageneta[1] ou angevino. Plantageneta, pois o seu pai, Godofredo, usava uma flor amarela (plante de genêt) como seu símbolo. Angevino, pois seu pai era Conde de Anjou, e de Anjou vem o adjetivo angevino.
Tendo lutado pelo trono que, por direito seria de sua mãe, Henrique II foi um monarca que teve muito poder em toda a Idade Média, em razão de seu vasto território. Por direito próprio herdou a Normandia e tendo casado com Eleanor da Aquitânia, juntou à coroa inglesa o extenso e rico ducado localizado em solo francês, razão pela qual eu seu reinado a Inglaterra teve, como parte de seu território, grande porção da atual França.
Henrique teve vários filhos sendo o primeiro deles[2]: Ricardo e o último João. A cada filho que nascia, Henrique atribui porções de seu reino. Por ter diversos filhos, quando João nasceu não tinha o rei como lhe atribuir territórios, pois todos estavam destinados aos filhos anteriores e por isso João passou a ser conhecido como “Sem Terra” (the Lackland).
Ricardo assume o trono em 1189, com a morte do pai. Ricardo I, o Coração de Leão (Coeur de Lion), reinou por 10 anos apenas e nesse período pouco ficou em território inglês. Embuído do espírito medieval, foi um guerreiro que lutou pelos ideias cristãos participando da Cruzada contra o infiel objetivando a retomada de Jerusalém. Apesar de fantásticas vitórias como a tomada de Acre, o Rei Ricardo nunca conseguiu entrar em Jerusalém[3].
Foi Rei por 10 anos e passou pouco mais de 3 meses em solo inglês. Nesse período nasce a lenda de Robin Hood. O diabólico príncipe João, futuro Rei João Sem Terra, foi regente na ausência de Ricardo e tramava usurpar a coroa do irmão mais velho.
Graças à lenda, João, ainda príncipe, passa a ser uma das mais conhecidas personagens da Inglaterra. Sua fama de mal tem bases históricas. Quando Ricardo I morre sem filhos seu irmão mais novo assume o trono e reina entre 1199 a 1216.
João se revela um militar de nenhuma habilidade e perde grandes porções do reino inglês situadas na França. São sucessivas derrotas militares que geram necessidade de mais dinheiro para financiar a guerra. E como obter mais dinheiro? Extorquindo os nobres, criando novos impostos e tomando à força bens das pessoas (como fez com os judeus).
Foi por isso, em razão do poder absoluto do monarca e dos abusos por ele perpetrados que os barões pretendiam ter um documento real limitando os poderes do monarca.
Em maio de 1215, os Barões apresentaram uma minuta (Artigos dos Barões), depois de terem tomado militarmente a cidade de Londres. Os pontos indicados foram divididos em duas seções: a primeira dividida em 48 parágrafos cuidava das regras em si e a segunda era uma cláusula de garantia com a indicação de queria cumprida por 25 barões, que não foram identificados.
Após sucessivas ameaças de destronarem o rei, em 1215 a Magna Carta foi assinada coercitivamente por João, por determinação de seus barões. Os barões fizeram cópias da original e espalharam por todo reino, inclusive nas possessões em território francês.
Quatro delas sobrevivem. A British Library de Londres expõe duas remanescentes neste ano de 2015 em exposição comemorativa (A Carta de Cantebury que está praticamente destruída e a de Londres em bom estado). A Carta redigida em latim era assinada recebia o selo real, um verdadeiro selo em bronze com a efígie real, que acompanhava o documento escrito e provava sua autenticidade.
Contudo, a Magna Carta de 1215 só produziu efeitos por 10 semanas, pois a pedido do Rei João, o Papa Inocêncio III edita uma bula declarando a Carta nula por ser ilegal e injusta já que obtida perante coação, sem livre vontade do Rei e “com tão grande medo e violência que poderia afetar o mais corajoso dos homens”.
Os barões, então iniciam nova guerra, conclamando o delfim Luis, filho do rei francês Felipe II, a assumir o trono inglês. Mas a morte de João em 1216 e a ascensão ao trono de seu filho Henrique, com apenas 9 anos, muda a situação, pois Henrique reedita a Magna Carta em 1216, 1217 e, novamente o faz em 1225.[4]
Finalmente, em 1297, no reinado de Eduardo I, neto de João e filho de Henrique III, a Magna Carta, já bastante alterada, passa a integrar a legislação inglesa. Uma das maiores mudanças foi a retirada das regras florestais de seu corpo, pois editou-se uma Carta da Floresta em 1217.
O Direito.
A regra mais famosa da Magna Carta de 1215 é a do parágrafo 39: “no free man shall be seized or imprisoned, or stripped of his rights or possessions, or outlawed ox exiled, or deprived of his standing in any way, nor will proceede with force against him, or send others to do so, except by lawful judgment of his equals or by the law of the land”. Aqui nasce o devido processo legal e a garantia de um julgamento justo.
Curiosamente, o direito de família não foi esquecido: “nenhuma viúva pode ser obrigada a se casar tão logo ela queira permanecer sem marido” (parágrafo oito).
Por fim, o parágrafo 27 dispõe: “se um homem livre morrer sem testamento, seus bens móveis serão distribuídos a seus parentes mais próximos e amigos, sob a supervisão da Igreja. Os direitos de seus credores devem ser preservados”.
[1]. O último plantageneta foi Ricardo III que morreu em 1385 marcando o fim da Guerra das Rosas. Recentemente, os restos mortais deste rei foram encontrados na cidade de Leicester e foram re-enterrados 530 danos depois de sua morte.
[2]. Primeiro a sobreviver ao pai, pois o mais velho Henrique, morreu com o pai ainda vivo.
[3]. No retorno da Cruzada, foi sequestrado por Leopoldo V da Áustria e um resgate fabuloso teve de ser pago pelos ingleses para o soltura do Rei. Indico a leitura do livro À procura do Rei de Gore Vidal em que o trovador Blondel conta o episódio.
[4]. As versões posteriores são diferentes da original, pois certas regras são excluídas com o passar do tempo.