40 anos da Lei do Divórcio: em termos de Direito de Família, temos um país melhor "O projeto do século XXI de garantir a felicidade geral passará por reprogramar o Homo sapiens de modo a que este possa desfrutar prazer infinito." (Homo Deus, Yuval Harari)

Em 26 de dezembro de 1977, o país acordava de um longo sono de quase 500 anos[1] pelo qual o casamento era indissolúvel, salvo nas hipóteses de invalidade ou morte.

O divórcio, após longa luta capitaneada por Nelson Carneiro, passou a ser permitido no Brasil[2].

Naquele ano de 1977, o país vivia uma ditadura militar que já durava 13 anos e não havia perspectiva de terminar. O presidente da República era Ernesto Geisel, gaúcho de Bento Gonçalves, general do Exército brasileiro, ferrenho apoiador de Castello Branco, opositor de Costa e Silva, eleito pelo Congresso por meio de eleição indireta, membro da Arena. Foi responsável pelo início da abertura política que, nas suas palavras, deveria ser lenta, gradual e segura. Como parte desse projeto, revogou o AI 5, ato que representava a maior afronta aos direitos políticos e garantias constitucionais dos cidadãos em dezembro de 1978.

No ano de 1977, o Congresso esteve fechado por 13 dias em abril, o estado de Mato Grosso do Sul passou a existir, Rachel de Queiroz quebra um paradigma histórico ao ser a primeira mulher eleita para a Academia Brasileira de Letras, e Pelé, jogando pelo time do Cosmos, nos Estados Unidos, faz sua última partida profissional no futebol.

No ano de 1977, a população brasileira era de 112 milhões. Ocorreram no Brasil 457 mil registros de nascidos vivos e 926 mil casamentos.

No ano de 2017, o país vivia um regime democrático que durava 22 anos, mas algumas vozes pugnavam pelo regresso à ditadura (ditadura constitucional, pasme-se!), o presidente da República é Michel Temer. Nascido em Tietê, no estado de São Paulo, formado em Direito pela Universidade de São Paulo, professor de Direito Constitucional, após ser eleito deputado federal algumas vezes, elegeu-se vice-presidente da República na chapa de Dilma Roussef por duas vezes, assumindo a Presidência em razão do impeachment ocorrido em 2016.

No ano de 2017, o Congresso funcionou o ano todo, foram 120 sessões e mais de 179 leis aprovadas. Não se criou nenhum estado. A Academia Brasileira de Letras tinha, na sua cadeira de número 1, uma mulher: Ana Maria Machado. A sensação do futebol foi a transferência de Neymar para o Paris Saint-Germain, em uma transação das mais vultosas até então existentes.

No ano de 2017, o Brasil atingiu 212 milhões de brasileiros, e no ano de 2016 houve 296 mil casamentos e 600 mil registros de nascidos vivos.

Saímos de um regime de exceção e de restrição de liberdades individuais para um regime de liberdade garantida pela Constituição de 1988.

Saímos de um regime hierárquico masculino para um regime democrático e igualitário para ambos os gêneros.

Saímos de um modelo de exclusão dos filhos em razão de sua origem para um regime de igualdade, sendo proibida qualquer discriminação.

Saímos de um modelo de indissolubilidade do casamento para um modelo de ampla liberdade na formação da conjugalidade, bem como em sua extinção por pura e simples vontade das partes.

As visões mais trágicas dos efeitos da adoção do divórcio no Brasil[3] não se verificaram 40 anos depois. O casamento continua sendo a forma preferida de constituição de família, pois 70% das famílias nasce do casamento, e apenas 30%, da união estável.

Os debates sobre o divórcio, fortemente conduzidos por visões religiosas de mundo, hoje nos parecem risíveis.

Há uma evolução (valorativamente positiva) nas relações familiares que amadureceram, pois não há qualquer peia na lei que faça com que o casamento prossiga. Não há prazos, não se discute culpa. O elemento de manutenção do vínculo conjugal segue exclusivamente a vontade dos cônjuges.

Permitir o divórcio é reconhecer que as pessoas mudam, e isso pode implicar mudança quanto aos afetos e desafetos. Logo, o direito de pôr fim ao vínculo conjugal é sinal de maturidade do sistema que observa a natureza humana.

A conjugalidade passa a ser lida pelo filtro da responsabilidade dos cônjuges entre si e quanto aos filhos. Dissolubilidade não é sinônimo de banalização nem de negação do interesse da família. É a responsabilidade que será o norte na leitura dos direitos e deveres familiares.

Em termos jurídicos, em termos do Direito de Família e da regulamentação das famílias, temos um país melhor 40 anos depois. O modelo que adotamos, lido pelo filtro da responsabilidade, é o que melhor permite a busca pela realização e felicidade pessoal de seus membros, ainda que a felicidade seja efêmera e fugaz.

Talvez a chave para felicidade não esteja nem na corrida (busca por algo), nem na medalha de ouro (conseguir algo), antes na combinação nas doses certas de entusiasmo e tranquilidade. Porém a maioria de nós passa constantemente da tensão para o tédio, encontrando insatisfação quer numa quer noutra.”
(Homo Deus, Yuval Harari).


[1] Não havia divórcio previsto nas Ordenações Filipinas de 1603. Divórcio era o nome dado ao fim da sociedade conjugal que no Brasil depois recebeu o nome de desquite e, atualmente, separação judicial.
[2] Emenda 9 de junho de 1977.
[3] https://www.conjur.com.br/2015-jun-15/processo-familiar-tributo-nelson-carneiro-luta-batalha-divorcio-parte

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