Lendo Machado de Assis e compreendendo sua obra: Ressurreição e Dom Casmurro.

Resolvi ler os Romances de Machado de Assis na ordem em que o autor os escreveu. O primeiro se chama Ressureição e data de 1872. Narra a história de amor de Félix e Lívia. Félix, um médico já passado nos anos (para a época) conhece e se apaixona pela jovem viúva Lívia. A relação é pautada por forte crise de ciúmes de Félix que transforma o romance em algo pesado e doentio. Qualquer semelhança com Dos Casmurro (1899) e da relação de Capitu e Bentinho não é mera coincidência.

A Ressurreição é um laboratório para o futuro Masterpiece que é Dom Casmurro. A diferença entre as obras é evidente. A primeira está na fase romântica (de amadurecimento) e o segundo na fase realista ou de maturidade do autor.

Félix é uma personagem óbvia: cria fantasmas e vive um ciúme doentio sem qualquer apego à realidade. É um homem que não consegue conviver com suas próprias dúvidas que não tem, na realidade, qualquer dado concreto de eventual traição.

Bentinho não. É de uma profundidade narrativa própria. Um homem inseguro (como todos os seres humanos o são) mas que Machado não deixa claro se a insegurança tem pé na realidade ou apenas na cabeça fantasiosa, ilusória, da personagem. Há uma densidade que falta a Félix. Capitu é muito menos óbvia que Livia.

Como Capitu é vista pelos olhos de Bentinho, que narra a história em primeira pessoa e Livia é descrita por um narrador neutro em terceira pessoa, a construção de Dom Casmurro é bem mais elaborada, bem mais interessante por essa opção de narração “viciada”, nublada pelo ciúme.

A comparação entre os romances é tão evidente que a figura de Iago, a personagem de Shaskespeare que desperta ciúmes do moro Otelo, passa pelos dois livros.

Em Ressurreição, diz o narrador: “Não adotou o método de Iago, que lhe parecia arriscado e pueril; em vez de insinuar-lhe a suspeita pelo ouvido, meteu-lha pelos olhos”.

Em Dom Casmurro, Iago volta com maior sutileza: “Tais eram as idéias que me iam passando pela cabeça, vagas e turvas, à medida que o mouro rolava convulso, e Iago destilava a sua calúnia”.

Em suma, ler Ressurreição e Dom Casmurro é perceber que Machado conseguiu seu desiderato, unir as duas pontas de sua vida:

“O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mais falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo. O que aqui está é, mal comparando, semelhante à pintura que se põe na barba e nos cabelos, e que apenas conserva o hábito externo, como se diz nas autópsias; o interno não agüenta tinta. Uma certidão que me desse vinte anos de idade poderia enganar os estranhos, como todos os documentos falsos, mas não a mim. Os amigos que me restam são de data recente; todos os antigos foram estudar a geologia dos campos-santos. Quanto às amigas, algumas datam de quinze anos, outras de menos, e quase todas crêem na mocidade. Duas ou três fariam crer nela aos outros, mas a língua que falam obriga muita vez a consultar os dicionários, e tal freqüência é cansativa.”

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