Duas importantes alterações a respeito do Bem de Família Legal

A impenhorabilidade do bem de família imposta por lei (independentemente da vontade do proprietário) é regra no Brasil desde a década de 1990 (Lei. 8009/90).

É decorrência da garantia do mínimo existencial e neste mínimo se inclui a moradia. Atualmente, um valor caro à humanidade que é dignidade da pessoa humana tem sido utilizado de maneira leviana e como “bengala” para as mais diversas teses, inclusive as mais esdrúxulas.

Contudo, a garantia da moradia efetivamente decore deste mínimo e, portanto, é desdobramento do preceito constitucional que é fundamento da República: a dignidade da pessoa humana.

Assim, se a impenhorabilidade é regra, a penhorabilidade e consequente perda do bem de família é admitida como exceção pelo artigo 7º da Lei 8.009/90.

Tal dispositivo sofreu duas alterações recentes: a revogação do inciso I e a alteração da redação do inciso III.

Trataremos da primeira delas no presente artigo e quanto à segunda deixaremos para a próxima coluna da Carta Forense.

I – A revogação do inciso I do artigo 7º da Lei 8.009/90

Uma das hipóteses de perda do bem e família estava contida no inciso I do art. 7º: “I – em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias”.

Havia uma lógica no dispositivo. Se os trabalhadores prestam serviço na casa onde reside a família, a vantagem de seu trabalho reverte em favor da família diretamente. Trata-se de créditos e contribuições previdenciárias dos trabalhadores domésticos, portanto.

Homero Batista Mateus da Silva afirma que a formação de contrato de trabalho doméstico exige serviços de natureza contínua (repetição dos trabalhos), no âmbito residencial de uma família (vida comum sobre o mesmo teto e contribuição conjunta de seus membros para sua economia), não se tolerando exercício de atividade econômica (produção ou circulação de bens e serviços).[1]

Recentemente, o PLP 302 de 2013 foi transformado na lei complementar 150/2015, publicada no Diário Oficial da União de 02 de junho de 2015.[2]

Trata-se de lei que dispõe sobre o contrato de trabalho doméstico. É a grande regulamentação do tema que revoga a velha e inadequada lei 5859 de 1972. Trata-se, portanto, de lei que pretende inserir o trabalhador doméstico no mercado de trabalho de maneira digna e justa, sem a capitis deminutio decorrente da revogada lei.

O artigo 46 da lei complementar dispõe:

“Art. 46.  Revogam-se o inciso I do art. 3o da Lei no 8.009, de 29 de março de 1990, e a Lei no 5.859, de 11 de dezembro de 1972.”

A revogação do inciso I do art. 7º da Lei 8.009/90 já constava da redação do art. 47 do Projeto 302/2013, ou seja, não foi inserido durante o trâmite legislativo. Aliás, o Projeto de Lei 224/2013 do Senado, base da lei complementar 150/2015, já previa a revogação do dispositivo (art. 47) e foi copiado pelo Projeto 302/2013

Curiosamente, não se depreende a razão pela qual o trabalhador doméstico perdeu a vantagem até então existente: a penhora do imóvel residencial do empregador.

Nos motivos apresentados pelo Senador Candido Vacarezza temos apenas o seguinte[3]:

“Ainda, atentando à ocorrência de possível inquidade na execução trabalhista, retiramos a possibilidade de que a penhora dos valores referentes à execução de Reclamação Trabalhista de autoria de empregado doméstico venha a recair sobre bem de família, hipótese que sempre consideramos injusta e cuja retirada contribuirá para a pacificação das relações sociais”

Não há razão, em tese, para tal alteração. Se a decisão não tem razão jurídica de ser, fica a decisão puramente política do legislador. Dos debates e notícias que se têm, em nenhum momento se discutiu a razão para a revogação em questão. O motivo “pacificação das relações sociais” indicado pelo Senado é tão relevante para a mudança da Lei 8.009/90 quanto para a criação do Dia do Macarrão (Lei 13.050 de 2014).

Dúvidas não há que novas penhoras não mais poderão ser realizadas a partir da vigência da lei complementar. Contudo, o que ocorre com as penhoras já efetivadas?

O efeito da nova lei complementar é evidente e imediato. Todas as penhoras efetivadas até o presente momento não podem mais subsistir, devem ser ineficacizadas, pois a lei complementar tem efeito imediato. A penhora, por si, não gera perda do direito de propriedade, nem perda do direito sobre o bem de família.

Apenas se os imóveis (bens de família) já foram adjudicados ou arrematados é que o ato se esgotou e a penhora, na realidade, já produziu todos seus efeitos. A adjudicação ou arrematação geram atos jurídicos perfeitos que têm o condão de retirar os direitos dobre o bem, ainda que a propriedade só se perca com o registro. A simples efetivação ou registro da penhora junto à matrícula do imóvel não a torna imune à nova disposição legal, perdendo sua eficácia a partir da vigência da Lei Complementar 150/2015.


[1]    Curso de Direito do Trabalho Aplicado, Parte Geral, Elsevier, 2009.

[2]    http://www.camara.gov.br/proposicoes Web/fichadetramitacao?idProposicao=585608

[3]    http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=129645&tp=1

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